São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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No futebol, o craque é ainda fundamental

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Vejam que no futebol, apesar de ser um jogo cada vez mais coletivo, pleno de variações táticas ou estratégicas, o craque ainda é fundamental. Já falei aqui, outro dia, da importância de Juninho no reencontro mágico da seleção brasileira com sua vocacional grandeza, durante a conquista da Inglaterra.
O Brasil foi tetracampeão, depois de esperar por quase um quarto de século na fila, e poucos brasileiros amaram aquele time. Tivemos, sim, um alívio geral, uma alegria coletiva pelo feito, mas em cada um de nós ficou uma pontinha de ressentimento pela maneira como o fizemos.
É que não nos víamos naquela seleção, por mais que nos esforçássemos, nem um traço sequer do nosso caráter.
Se em quase tudo -na cultura, na política, no dia-a-dia- o brasileiro é um desmemoriado, no futebol, até mesmo o garoto que está agora chutando sua primeira bola sintética, cultiva a tradição.
Talvez seja porque, nos campos do futebol, tivemos de travar uma dura e longa batalha para impor nossa ideologia. Sim, não há exagero em colocar ideologia na ponta das chuteiras de nossos craques, posto que, desde Fried, nosso primeiro mito em calções, tivemos um estilo peculiar, uma ótica própria de ver o jogo, que contrariava frontalmente o conceito do jogo criado e desenvolvido pelos ingleses e demais europeus. Mesmo nossos vizinhos argentinos e uruguaios, culturalmente mais próximos dos europeus do que de nós, olhavam-nos de esguelha.
E qual era a diferença fundamental? Para eles, o jogo era basicamente uma competição, embora produzissem e reconhecessem ao longo de suas histórias alguns talentos de primeira linha. Para nós, não há competição sem arte. Não há grandes times sem individualidades.
Lembro-me como se fosse hoje da primeira Copa do Mundo que levantamos em 58, na Suécia. Dois anos antes, havíamos sido humilhados numa desastrosa excursão à Europa. Europeus, argentinos e uruguaios chamavam-nos de macaquitos a malabaristas da bola, mas em nenhum deles medrava a suspeita de que pudéssemos, como nossos mulatos malabaristas, ganhar um campeonato sério, fosse por aqui, fosse além-mar.
Ganhamos. E ganhamos dando show, impondo nosso estilo, nosso jeito de ser com a bola nos pés. Impomos, por fim, nossa ideologia. E repetimos o feito por mais duas vezes, até que, com o tetra, acabamos por nos subjugar.
Agora, com a seleção do velho Zagallo e do menino Juninho, voltamos a andar com nossas próprias pernas, com cautela, é verdade, mas sem medo e, sobretudo, com um sorriso matreiro nos lábios.

A propósito, sou capaz de apostar que a comoção que tomou conta da cidade às vésperas do primeiro jogo decisivo entre Corinthians e Grêmio, pela Copa do Brasil, deve-se particularmente à expectativa criada por um craque, um só, apenas: Viola, que, murcho desde o Mundial, refloresceu nas duas últimas exibições do seu time. Quem duvidar, que consulte o coração corintiano.

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