São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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A quase-moeda

Nos longos anos de instabilidade o Brasil desenvolveu vários mecanismos de convivência com a inflação. Como uma doença combatida apenas em seus sintomas, a alta sistemática dos preços tornou-se mais administrável em alguns aspectos, porém mais resistente a qualquer tentativa de extirpá-la.
Foi esse o caso das aplicações com rendimento diário, cuja extinção está agora em estudo pelo governo. Elas ajudaram a evitar uma fuga dos recursos financeiros para bens reais ou moedas estrangeiras. Mas também deixaram a economia mais exposta aos movimentos bruscos da especulação. Há um volume excessivo de recursos permanentemente disponíveis.
Por trás desse alto grau de liquidez, está a promiscuidade entre o que é a moeda e o que deveriam ser ativos de prazo mais longo. No Brasil, diferentemente do que ocorre na larga maioria das economias estáveis, grande parte dos títulos públicos pode ser devolvida ao governo a qualquer momento em troca de moeda. Recursos que deveriam estar comprometidos por algum tempo acabam estando disponíveis para o saque. É por isso que são chamados de quase-moeda.
Historicamente, essa anomalia surgiu num ambiente de inflação alta e no qual a credibilidade do Estado estava abalada pela crise financeira. Para fazer frente à insegurança sobre o valor futuro da moeda e sobre a sua própria capacidade de pagamentos, o governo passou a incluir nos títulos uma cláusula de recompra. Essa disposição do governo de readquirir seus próprios títulos reduziu o risco de quem os comprava.
Hoje, porém, a inflação está incomparavelmente mais baixa do que nos últimos anos. É um bom momento para avançar na reconstrução de um sistema monetário saudável, que separe claramente o que são títulos e o que é a moeda.
Os títulos e aplicações com liquidez diária foram uma espécie de saída encontrada por um país que, não podendo vencer a inflação, preferiu unir-se a ela. Sua eliminação seria uma aposta de que, agora, é possível derrotá-la.

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