São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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O rancor antiliberal contra a UDN

OSCAR DIAS CORRÊA

Acabo de ler o artigo que o jornalista Otavio Frias Filho publicou na Folha, no dia 8 passado, sob o título ``PFL 2000". Afastado da disputa partidária desde que o A.I. nº 2 extinguiu os partidos políticos, nada tenho com as agremiações que, a partir daí, se fundaram.
Verifiquei, entretanto, estupefato, que o articulista, a pretexto de ironizar o PFL, investe furiosa, gratuita, injusta e injuriosamente contra a UDN, cuja tradição desrespeita e falseia, nas acusações infundadas e ofensivas que lhe faz e aos que a integraram digna e patrioticamente.
Não sei nem perquiro a origem desse rancor, tanto mais quanto foi o partido a única voz que se opôs ao ditador quando este aboliu as liberdades públicas e baniu da vida pública todos os que, em defesa da democracia, se lhe opuseram.
A UDN, sob o impulso liberal -que aprendeu no liberalismo europeu e americano, e que, corporificado nas revoluções americana e francesa, iluminou o mundo-, teve de enfrentar, desde o início, o ditador, para restaurar a democracia; e, na verdade, não foi ela expulsa por ele, mas ele expulso por ela em 1945.
Do poder político Getúlio expulsou a nação, isto é, o povo livre, organizado, quando, após a experiência ditatorial de 1930, foi forçado à retirada estratégica que lhe impôs a Revolução Constitucionalista, mas, rasgando a Constituição de 1934, impôs a ditadura ao país, em 10 de novembro de 1937.
Não amargou a UDN décadas de ostracismo: honrou-se de ser oposição franca, decente, aguerrida, dando ao Brasil alguns de seus melhores homens públicos. O articulista, porém, ignorando tudo isso, parte para a injúria e a difamação. Textualmente:
``A UDN reunia tudo o que houvesse de mais hipócrita e sacripanta na política brasileira"...
Nem os mais rancorosos inimigos da UDN (e não me refiro aos adversários, que sempre a respeitaram) lhe dirigiram ofensa tão grave: chamar de hipócritas e sacripantas os homens da UDN é desonrar a vida pública do Brasil, difamando a mais notável geração de homens públicos da República.
Mas o articulista se contradiz ao acrescentar, numa retomada de consciência, que ``as intenções eram as melhores", o que não se coaduna com ``hipócritas e sacripantas"!
A seguir, refere que o ``partido foi obrigado, a fim de concretizar aquelas intenções (que, aliás, na sua própria voz, eram as ``melhores", nesses ``hipócritas e sacripantas"), ``a seduzir os militares para chegar com eles ao poder". E conclui: ``Tentaram em 45, em 55, em 61 e finalmente conseguiram em 64". Ora, em 1945 restauraram a democracia e expulsaram o ditador, que, desde 1937 (pelo menos), mantinha amordaçada a voz do povo. E nisso boa parte da nação colaborou ativamente, convencida pela ``oratória fulgurante" desses ``hipócritas e sacripantas"!
Em 55, quem deu o golpe foi o general Henrique Lott, sob inspiração pessedista, e empolgou o poder para o ``retorno aos quadros constitucionais vigentes", dominando-o até mesmo no período seguinte, ministro da Guerra indemissível. Em 61, a UDN, após ter ajudado a eleger o sr. Jânio Quadros, em amplo movimento nacional, para reimplantar definitivamente no país a democracia, viu, com sua renúncia, esboroar-se o projeto democrático, com a volta ao poder dos apaniguados do ex-ditador, à frente o sr. João Goulart.
Em 64, a UDN (com o PSD e todas as forças democráticas) apenas impediu que o sr. João Goulart instaurasse aqui a ``república sindicalista". E até a extinção, em 1965, lutou para que a Revolução se mantivesse dentro da ordem constitucional, e nisso colaboraram seus líderes, a começar de Milton Campos, seu ministro da Justiça e um dos ``hipócritas e sacripantas" do articulista, e que toda a nação admira e respeita.
A partir daí, nada tem a UDN com o ``barco" de Tancredo, Sarney, Collor ou FHC, se já a haviam assassinado em 1965, embora não tenham conseguido, até hoje, sepultar-lhe o nome e a dignidade: tanto que todas as vezes que um partido toma posição de independência e dignidade, em defesa do interesse nacional, se diz que ``parece a UDN"!
Nada tenho com as preferências do articulista: defendo um partido que tudo fez pelo Brasil.
Digo-lhe apenas, para finalizar essas brevíssimas considerações, que nunca vi tanta raiva contra a UDN; e raiva impotente, que não pode torcer a história!

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