São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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Nossa cota de tragédias

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Warner Max Corden, um grande economista australiano nascido na Alemanha, diz num recente trabalho publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento que ``países relutantes em desvalorizar quando têm problemas com o balanço de pagamentos -causados ou por uma deterioração das relações de troca ou pela cessação da entrada de capitais- impõem ou expandem restrições quantitativas às importações". E acrescenta: ``Esse é o maior perigo do comprometimento com um câmbio fixo" (Corden, W. M. - ``A Western Hemisphere Free Trade Area", BID, 1995). O leitor talvez nunca tenha ouvido falar em Max Corden, mas podemos assegurar-lhe que de comércio internacional e equilíbrio macroeconômico ele entende como poucos.
Alguns analistas têm revelado certa surpresa com o que aconteceu com o balanço em conta corrente brasileiro. Depois de anos de relativo equilíbrio ele ameaça o plano de estabilização com uma perspectiva de déficit maior do que US$ 15 bilhões, o que poderá nos deixar no primeiro trimestre de 1996 numa situação delicada. E isso apesar das famosas ``folgadas reservas de mais de US$ 40 bilhões", cantadas em prosa e verso pelas autoridades (que sempre ignoraram o seu custo). Parte das reservas, como todo capital financeiro, tem duas dimensões: o seu montante e seu prazo de maturação. Infelizmente, US$ 100 milhões com prazo de três anos não são a mesma coisa que US$ 100 milhões com prazo de 30 dias, ainda que possam sê-lo em condições normais de pressão e temperatura, que permitam a sua reaplicação por 36 meses consecutivos. Mas quem pode garantir a normalidade neste mundo complicado?
A surpresa de nossos economistas não parece justificada. De fato, em poucos meses fizemos as seguintes bravatas: 1) baixamos irresponsavelmente as tarifas alfandegárias, transformando-as em mecanismos de vingança e não de política econômica; 2) continuamos a tributar fortemente as exportações e discriminamos contra a produção interna; 3) produzimos uma sobrevalorização excessiva do real graças a espantosas taxas de juro, que discriminam, também contra, o produto nacional, e 4) tentamos corrigir o câmbio com ACCs produzidos pela taxa de juro absurda, esquecendo que vantagens ainda maiores podem ser auferidas pelos importadores, que têm crédito de até 360 dias a 0,5% ao mês.
Esse festival de erros produziu um fato único e cômico, que certamente será registrado na literatura internacional: um sistema de taxas múltiplas de câmbio em que a taxa de exportação é mais desfavorável do que a das importações. Com que rapidez perdemos nossa modernidade!
O controle físico das importações que novamente ameaça a economia brasileira é um fato muito desagradável, tanto do ponto de vista estético, quanto do ponto de vista da eficiência do sistema produtivo e da continuidade da estabilização. É uma completa ilusão pensar que as incertezas que estamos introduzindo levarão a um aumento dos investimentos. O mundo mudou e não há como voltar aos ``anos dourados" repetindo a política de ``fechadura".
A surpresa mesmo são os economistas se surpreenderem com a resposta dos agentes econômicos às mudanças dos preços relativos!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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