São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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Louvor ao governo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Durante muito tempo, eu não sabia certas coisas elementares. Por exemplo: os técnicos sanitários garantem que em Belo Horizonte existem 237 mil escorpiões. Como conseguiram contar esses escorpiões? São muitos, são poucos ou são o bastante?
A taxa de inflação é outro mistério para mim. Bem ou mal, o preço da cesta básica pode ser um referencial concreto, mas há outros igualmente sólidos, que não ficam sujeitos às entressafras agrícolas nem às coleções de inverno e verão que vão para as lojas.
Por exemplo: três anos atrás, aproximadamente, houve um ministro do Trabalho que recebeu um presente de 30 mil dólares. Dispensa-se a conversão em cruzeiros, moeda da época, fiquemos com o dólar, cujo valor é mais estável. Agora, o relator da emenda do petróleo, deputado Procópio Lima Netto, recebeu um presente de 40 mil dólares para sua campanha eleitoral. Foi um aumento (se não estou enganado) de uns 33% no preço desses presentes. Dá uns 11% ao ano, taxa mais do que decente, de primeiríssimo mundo, menor do que os 12% ao ano que figuram na Constituição e, apesar disso, precisam de uma lei especial para entrar em vigor.
Como se vê, parece que jogamos na lixeira da história a cultura inflacionária, e isso deve ser creditado ao ministro da Cultura, sendo essa sua obra mais visível até agora. Pouco a pouco, o ministro vai acabando com o resto de cultura que ainda infelicita o país, e brevemente estaremos sem cultura alguma, no saudável estágio em que fomos encontrados quando aqui chegaram as caravelas.
Estou analisando os fatos com isenção. Não cometo julgamento de valor sobre os presentes recebidos pelo ministro Magri ou pelo deputado Lima Netto. Os abutres da vida pública (que sempre os há) sugerem que houve amaciamento tanto no Ministério do Trabalho como no relatório do petróleo. É outro departamento, que não me cabe julgar. Registro apenas a taxa de inflação para louvar a eficiência do governo, que, afinal, consegue manter em níveis civilizados o preço das consciências.

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