São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Por que privatizar _ 2

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA

A incapacidade do Estado de investir em infra-estrutura faz parte da resposta
No artigo do último domingo, argumentei que se o termo "privatização é relativamente novo, a idéia em si é pelo menos tão antiga quanto a própria ciência econômica. Sugeri ainda que a experiência acumulada nos últimos 15 anos em mais de 70 países e a teoria econômica recente tendem a confirmar amplamente as conjecturas originais de Adam Smith acerca dos benefícios da privatização. Resta agora examinar em maior detalhe os argumentos e evidências que justificam tal conclusão.
Pensar é simplificar. Os argumentos em prol da privatização gravitam ao redor de três núcleos temáticos principais: 1) eficiência microeconômica; 2) finanças públicas; e 3) teoria do desenvolvimento. Embora essencialmente complementares, o peso atribuído a cada uma dessas três linhas de argumentação e o seu poder de fogo persuasivo no debate público variam de acordo com o contexto prático e cultural do país.
Enquanto nos países desenvolvidos e nos recém-saídos do comunismo a ênfase recai mais na questão da eficiência micro -daí a doação gratuita de estatais no leste europeu-, já no contexto latino-americano tendem a prevalecer argumentos ligados ao imperativo do equilíbrio das contas públicas -venda de ativos que rendem pouco para abater passivos que custam muito- e da redefinição do papel do Estado no desenvolvimento, de forma a viabilizar o ingresso de capitais privados em infra-estrutura.
Essas diferenças refletem a natureza distinta dos desafios enfrentados e dos objetivos da privatização nos diversos países. É natural que os argumentos que têm maior apelo junto aos políticos e à opinião pública num determinado contexto sejam também aqueles que ocupem o centro do palco e protagonizem o esforço persuasivo. Acredito, no entanto, que seria um erro permitir que a ênfase natural em 2) e 3) no contexto brasileiro ofusque inteiramente a importância decisiva de 1) no debate sobre as razões de fundo da privatização.
Eficiência micro em economia quer dizer duas coisas distintas. A primeira delas é a otimização da relação insumo-produto. Eficiência produtiva é sinônimo de ausência de desperdício. Uma empresa será eficiente, nesse sentido, na medida em que for capaz de tirar o melhor proveito -em termos de custo, quantidade e qualidade da produção gerada- dos insumos e recursos produtivos de que dispõe. Uma empresa na qual "nós fingimos que trabalhamos e eles fingem que nos pagam (para lembrar o conhecido lamento do funcionário soviético) está obviamente longe da eficiência produtiva.
O outro conceito de eficiência diz respeito não ao que se passa dentro da empresa, mas à maneira como os recursos escassos disponíveis na economia estão distribuídos entre as diferentes oportunidades de utilização produtiva. Trata-se aqui de eficiência alocativa. Uma economia será eficiente, nesse sentido, na medida em que a composição da oferta corresponde às preferências dos consumidores e os preços pagos pelos bens e serviços refletem os custos de produzí-los, ou seja, a remuneração normal dos fatores de produção empregados naquela atividade.
Uma empresa, vale notar, pode ser altamente eficiente do ponto de vista produtivo, com ótimos resultados na relação insumo-produto, mas um desastre em termos alocativos. O programa nuclear brasileiro é um exemplo crasso. Mesmo supondo, heroicamente, que a gestão das usinas fosse impecável, nada justifica, do ponto de vista alocativo, que o país tenha gasto bilhões de dólares na geração de uma eletricidade muito mais cara e menos segura do que aquela obtida a partir de fontes convencionais.
A teoria econômica mostra que os melhores resultados em termos de eficiência micro -produtiva e alocativa- são obtidos quando os ativos de uma empresa são de propriedade privada, o controle acionário é aberto e o ambiente em que ela opera é razoavelmente competitivo. A propriedade e gestão estatais, por sua vez, tornam a empresa não só imune ao efeito disciplinador exercido pelo mercado de capitais (acionistas e credores) como, o que é pior, altamente vulnerável a interferências políticas que terminam arruinando o desempenho micro, por melhor que sejam as intenções de seus gestores e funcionários.
Alguns exemplos ajudam a visualizar a extensão do estrago. Considere o caso da YPF -o gigante estatal petrolífero argentino criado nos anos 20 e privatizado há dois anos. Entre 81 e 89, a YPF acumulou prejuízo de US$ 6 bilhões. Antes da privatização, eram mais de 50 mil funcionários produzindo cerca de 300 mil barris/dia de petróleo. Privatizada, a YPF saiu do vermelho e registrou lucro de US$ 700 milhões. A meta em 95 é atingir 450-500 mil barris/dia, mas com uma pequena diferença -o número de funcionários agora não passa de 6.000!
Outro exemplo são as siderúrgicas brasileiras. O investimento estatal totalizou US$ 26,1 bilhões na história dos setor, mas rendeu dividendos de apenas US$ 600 milhões (2,3% sobre o capital investido). Os ganhos de eficiência trazidos pela privatização são dignos de registro. Entre 91 e 94, a produtividade (toneladas/ano por funcionário) cresceu 85% na Usiminas, 64% na Acesita, 63% na Cia. de Tubarão, 45% na Cosipa e 36% na CSN. O prejuízo de R$ 240 milhões do setor em 93 virou um lucro de R$ 828 milhões em 94. Os novos investimentos devem alcançar US$ 5 bilhões nos próximos cinco anos.
Viradas desse tipo beneficiam diretamente os consumidores (via redução de preços) e a economia como um todo, que se torna mais competitiva. O contribuinte, por sua vez, é duplamente beneficiado -deixa de pagar impostos para cobrir o prejuízo das estatais e passa a receber os benefícios dos impostos pagos pelas empresas. Estimativas feitas na Inglaterra mostram que, em 1979, o prejuízo das estatais custava US$ 480 por contribuinte em impostos. Privatizadas, essas empresas tornaram-se lucrativas e passaram a pagar impostos, gerando uma receita de US$ 160 por contribuinte.
O descalabro alocativo é o outro lado da mesma moeda. As decisões de investimento no chamado setor produtivo estatal costumam padecer de graves distorções do ponto de vista micro, dada a vulnerabilidade dessas empresas a pressões e interferências que vão desde toscas razões geopolíticas até cruas motivações eleitorais. As 20 hidrelétricas com obras paralisadas no Brasil -com um custo estimado de centenas de milhões de dólares anuais- são um monumento imbatível ao absurdo alocativo.
Por que privatizar? O desequilíbrio fiscal e a incapacidade do Estado de investir em infra-estrutura fazem parte da resposta. Mas o argumento que decide a partida -e que justificaria um amplo programa de privatizações até mesmo na ausência dos dois outros- é o da eficiência micro.

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