São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BC injeta R$ 17 bi por dia no mercado

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
EDITOR-ADJUNTO DE ECONOMIA

Todos os dias o BC (Banco Central) ``injeta" no mercado financeiro R$ 17 bilhões.
Esse dinheiro é o equivalente ao volume negociado em 55 dias de pregão na Bolsa de Valores de São Paulo (caso todos esses dias registrassem o mesmo volume negociado na última quarta-feira).
Essa ``montanha" é uma espécie de acidente geográfico que mostra um mercado desequilibrado. Existem hoje no overnight (negócios de um dia com títulos públicos) mais títulos que dinheiro.
Isto é, os bancos adquiriram mais títulos do que os recursos que existem no mercado são capazes de financiar diariamente.
A lista dos bancos descasados (que tem mais títulos do que dinheiro) é essencialmente composta por instituições estatais (federais e estaduais).
Mas se não há dinheiro no mercado suficiente para financiar a quantidade de títulos, o BC pode atuar para dar equilíbrio.
A operação é simples. Ele recompra títulos por um dia e ``injeta" os recursos equivalentes no mercado. Os bancos que venderam assumem o compromisso de recomprar os títulos no dia seguinte.
No outro dia, a troca é refeita, já que o mercado continua desequilibrado. Essa operação é conhecida como ``zeragem automática".
O rombo é estimado com unanimidade pelos analistas ouvidos pela Folha em R$ 17 bilhões. Esse número impediria a extinção imediata da ``zeragem", como chegou a ser cogitado no âmbito das medidas de desindexação.
Quantidade ou preço
Os mesmos analistas, que preferiram que seus nomes não fossem mencionados, dizem que a extinção imediata da ``zeragem" seria uma loucura que não será feita pelo novo presidente do BC, Gustavo Loyola.
A razão é também simples: se não há no mercado dinheiro suficiente para financiar os títulos, não há também para garantir os saques diários dos clientes.
Os analistas não descartam, porém, a adoção de um caminho de extinção gradual da ``zeragem".
Tecnicamente existem duas maneiras clássicas de o BC fazer política monetária: 1) controlar a quantidade de dinheiro em circulação; 2) controlar o preço do dinheiro, que é o juro.
No Brasil, o BC quase sempre praticou a segunda alternativa.
Um dos problemas da primeira é que, como ficou claro na gestão de Ibrahim Eris no BC, quando se procura controlar exclusivamente a quantidade de dinheiro, os juros tendem a oscilar bruscamente.
No dia em que há um pesado recolhimento de impostos, o mercado fica seco e o juro explode; mas no dia de pagamento do funcionalismo, o mercado fica alagado e o juro despenca.
No caso da segunda alternativa, é interessante para o BC que o mercado fique desequilibrado e, como se chama no jargão, ``oversold" (com mais títulos do que dinheiro). É que, desta forma, o BC estabelece mais facilmente o juro, no momento em que recompra por um dia os títulos em excesso.
Gasto público
O que chama a atenção, segundo os analistas, é o tamanho do ``oversold", que cresceu.
Eles explicam de duas maneiras, que não são excludentes, esse buraco: 1) o governo federalizou a dívida dos Estados (trocou títulos estaduais por federais), mas, independentemente da troca dos papéis, os bancos privados continuam emprestando dinheiro a conta-gotas para os estaduais -quer dizer, os estaduais continuam com os títulos sem ter o dinheiro para financiá-los; 2) as necessidades de financiamento do próprio Tesouro estão pressionando o mercado.
Segundo os dados da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto), de fevereiro para abril caiu a participação dos títulos emitidos pelo BC (para fazer política monetária) enquanto cresceu a dos títulos emitidos pelo Tesouro (usados para financiar gastos do Estado).
Em fevereiro, nos títulos em poder do público, 39,7% tinham sido emitidos pelo BC e 60,3% pelo Tesouro; em abril, 32,6% pelo BC e 67,4% pelo Tesouro. O crescimento é de sete pontos percentuais em três meses.
Em outras palavras, com a ``zeragem", o BC pode estar garantindo espaço para o financiamento das contas do Tesouro. É um caminho indireto para fazer o que a Constituição não permite: que o BC financie os gastos públicos.

Texto Anterior: Banco usa debêntures para captar dinheiro de investidor
Próximo Texto: Mudança na TR traz riscos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.