São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Príncipe da NBA agora quer Olimpíada

MELCHIADES FILHO
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON

Ele tem 2,13 m e pesa 116 kg. Mas faz história no esporte dos gigantes pela agilidade e suingue.
Nasceu de uma família de classe média na Nigéria, mas teve melhor formação escolar que todos os seus colegas norte-americanos.
Conquistou seu bicampeonato nesta semana. Mas é apenas o 37º salário (US$ 3,17 milhões/ano) entre os atletas que disputam a liga multimilionária NBA.
Hakeem Olajuwon é o melhor jogador de basquete do mundo.
Aos 32, é forte, bonito, inteligente, culto, vencedor, bem-educado. Mas, diferentemente de outros esportistas, alguns menos talentosos, ainda não virou herói.
Os publicitários dos EUA têm seu diagnóstico. O mercado não ``reconheceria" um atleta que foge tanto ao estereótipo grandalhão-negro-ignorante-desbocado. Hakeem ``The Dream" Olajuwon parece não se importar.
Em ioruba (língua dos iorubas, povo negro do grupo sudanês da África Ocidental, que vive na Nigéria, no Daomé e no Togo), seu nome significa ``sempre no topo". Em inglês, seu apelido quer dizer ``o sonho".
Jogador de futebol na infância, chegou aos EUA aos 17, dois anos depois de manusear pela primeira vez uma bola de basquete.
Desembarcou em Nova York no inverno de 80, para um teste na Universidade de St. John's. Mas uma nevasca cancelou o encontro.
Olajuwon não esperou. Voou no dia seguinte para Houston.
Nunca mais deixou a cidade texana -lá, cursou a universidade e entrou para o único time de sua carreira na NBA, os Rockets.
Hoje, depois de se consagrar na liga profissional, sonha em participar da Olimpíada de Atlanta pela seleção dos EUA -a terceira edição do ``Time dos Sonhos".
Há um problema. Aos 16, ele atuou pela seleção júnior nigeriana -o que o impediria, pelo regulamento, de jogar por outro país.
Os cartolas americanos, porém, adiantaram os papéis. Segundo a NBA, Olajuwon será anistiado para estrelar o ``Dream Team 3".
A NBA quer enviar a Atlanta seu embaixador, chamado pelo presidente da entidade, David Stern, de ``príncipe".
Olajuwon conversou com a Folha em meio a uma semana de jogos, treinos e homenagens.

OS ESPORTES
``O futebol é lindo. Assisti aos jogos da seleção da Nigéria na Copa do Mundo no ano passado (o time foi eliminado pela Itália na competição, nos EUA).
Gosto muito também do hóquei na grama e do handebol, por causa da velocidade dos lances.
Mas, para ver atletas dando duro no trabalho, nenhum esporte se compara ao basquete. Você nunca pode prever o que vai acontecer na quadra. É realmente excitante.
E, se você pensar em basquete, não há escapatória. Não quero desmerecer o que acontece nos outros países. Mas a NBA é uma liga singular, única, tanto para entretenimento como para competição."
A INSPIRAÇÃO
``Quando cheguei aos EUA, tinha poucas noções do basquete. Mas não me intimidei. Gostava, e ainda gosto, de estudar o esporte.
Tentei me aperfeiçoar, ver o que os colegas faziam e imitá-los.
Criei meus truques. Muitas pessoas não sabem. Mas vocês, brasileiros, que conhecem muito bem o esporte, talvez percebam que muitos dos meus movimentos são baseados em dribles do futebol.
O `Dream Shake' (em que finge se aproximar da cesta duas vezes, antes de dar dois passos para trás e arremessar) é o melhor exemplo.
Sim. Há um pouco de Maradona e Rivelino nos meus movimentos. Está tudo nos pés e no equilíbrio.
O pessoal aqui no Houston fala que é uma questão de centro de gravidade. Mas eu respondo que é improvisação mesmo."
A PSICOLOGIA
``Penso um jogo por vez. O tempo passa mais rápido dessa maneira. Você se concentra no obstáculo mais imediato, em vez de desperdiçar energias.
Tenho opinião contrária àquele ditado que diz: `pense na guerra, e não na batalha'. No basquete, se você se preocupa com a guerra, acaba perdendo a batalha.
Esse é um dos motivos que nos reconduziram ao título."
O BICAMPEONATO
``Não entendo por que todos se disseram surpresos com nosso segundo título. Deviam lembrar que o Houston já era o campeão.
Não gosto de falar assim, mas era um pouco de falta de respeito.
O sujeito não pode esperar que um time que ganhou um campeonato desapareça de repente uma temporada depois.
Diziam que não tínhamos fome suficiente para chegar de novo ao título. Estavam enganados. Tenho muito orgulho dos meus companheiros. Fico mais feliz por eles do que por mim.
Fico particularmente satisfeito por Clyde (Drexler), meu amigo. Ele já tinha chegado muito próximo ao título em oportunidades anteriores, infelizmente sem sucesso.
Para coroar a carreira dele, esta era a hora ideal. Estou muito feliz de fazer parte de um momento tão importante da vida dele."
A EDUCAÇÃO
``Tenho muitas responsabilidades na NBA. Sou uma pessoa pública e fui nomeado embaixador mundial da liga.
Por isso, acho que é preciso dar o exemplo do jogo limpo. Uma vitória não se conquista com palavrões e deslealdade.
Prefiro, também, não fazer pouco do adversário. Isso é insegurança. Se você se gaba de suas jogadas, você acaba esvaziando-as.
Para chegar a um título, é preciso sacrificar metas pessoais. O basquete é um jogo coletivo. Não sou eu. São os Rockets.
Já tivemos times em que os jogadores se preocupavam mais com suas estatísticas ao final do jogo do que com o próprio resultado da partida. Isso é pensar pequeno."
A RELIGIÃO
``Devo o sucesso na minha carreira ao Islã. Em um momento da minha vida (quando foi até a cidade sagrada de Meca, em 1992), resolvi seguir as leis do Corão para tomar algumas decisões.
Na minha formação religiosa, a humildade é a principal qualidade.
Você tem que lutar para atingir seu potencial. Não vale a pena se comparar a outras pessoas -sempre há alguém mais forte, mais alto, mais ágil, mais rico, mais bem-sucedido do que você.
O Islã me ensinou que devo buscar a felicidade maximizando as oportunidades em meu caminho, trabalhando no meu jogo e saboreando meus progressos.
Estou feliz comigo, com meu jogo, com minha vida."
O FUTURO
``Contratei um treinador depois da conquista de 94 para aumentar meu fôlego. Isso já mostra que não parei por aqui.
Ainda me sinto um calouro. Sério. Tenho muito o que aprender e alguns truques para mostrar. Ainda mais que o basquete melhorou; é mais gostoso jogar agora.
Quero disputar a próxima Olimpíada pelo `Time dos Sonhos 3'.
Alguns detalhes ainda precisam ser acertados entre a NBA, a federação dos EUA e o Comitê Olímpico. Mas é meu maior sonho."

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