São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 1995
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Novos vírus, pestes e pragas

VICENTE AMATO NETO; JACYR PASTERNAK

VICENTE AMATO NETO e JACYR PASTERNAK
A espécie humana convive com microorganismos mesmo antes de ter sido inventada. Na verdade, se não fossem eles, nós não seríamos nós; em nossas células existem elementos que começaram como bactérias independentes e, a seguir, adaptaram-se dentro da gente, talvez depois de terem sido parasitas.
Só respiramos oxigênio porque temos nossos mitocôndrios, exatamente os componentes que citamos acima. Igualmente, nossa informação genética incorpora pedaços de genes de vírus, que têm na informação deles pedaços da nossa; a promiscuidade e a mistura genética não foram invenções da década de 60, por incrível que pareça, tendo sido praticadas entre membros da mesma espécie, e até de diferentes, desde que a vida apareceu neste planeta.
Assim, nossa convivência com microorganismos é alterada permanentemente. A tendência dessa relação é o que chamamos de simbiose, ou seja, ambos convivem sem se prejudicarem mutuamente.
A longo prazo, é a relação mais estável e útil a ambas as partes. Entretanto, até chegar lá, quando o microorganismo é de convivência mais recente com o macroorganismo, relações tipo parasitismo e até assassinatos rápidos de um pelo outro são comuns; com o tempo, a seleção natural tende a eliminar essa sacanagem.
Numerosos vírus vindos de animais estão nessa fase em relação ao homem. O exemplo mais extremo é o HIV-1, motivador da Aids, mas outros existem. Os arenavírus, como nosso Sabiá, e os filovírus, como o Ébola, podem causar doenças de evolução rápida.
Felizmente, não parecem ter o potencial de disseminação e persistência na espécie humana como o do HIV-1; geram uma ou outra microepidemia, mas não persistem a longo prazo na humanidade.
Tememos que, futuramente, uma dessas pragas apronte algo mais sério, e é quase inevitável que um desses pestinhas provoque um desastre. Qual deles? Não dá para prever. Com os recursos que temos, não é viável evitar isso; afigura-se cabível, sim, diagnosticar depressa e tentar o controle, com vacina ou medicamentos.
A luta entre o homem e seus parasitas só terminará quando aquele desaparecer e estes tiverem que achar outra residência; até lá, a biologia obriga-nos a conviver, lutar, ganhar deles de vez em quando e perder talvez com maior frequência.

VICENTE AMATO NETO, 67, infectologista, é professor titular e chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP. JACYR PASTERNAK, 53, infectologista, é médico-assistente da Divisão de Clínica e Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas.

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