São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 1995
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Tàpies chega ao Brasil com 'intimismo e violência'

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A arte de Antoni Tàpies, 72, considerado o maior pintor espanhol vivo, passa por uma fase de cores e formas dramáticas que, segundo ele, resultam do tempo ``trágico" que é o atual.
Mas a exposição, pela primeira vez no Brasil, de 19 de suas gravuras feitas entre 1988 e 1994 -a partir de amanhã na Dan Galeria, em São Paulo (leia texto abaixo)- é para comemorar. Tàpies é também um dos maiores artistas da segunda metade deste século.
Em entrevista exclusiva por telefone à Folha, o artista, que vive em Barcelona, falou sobre gravuras, sobre sua carreira e sobre seu amigo João Cabral de Melo Neto.

Folha - Sua pintura e mesmo a escultura têm característica gráfica marcante. Qual a importância das gravuras para o sr.?
Antoni Tàpies - É muito grande, inclusive numericamente. A gravura me permitiu experimentar com muitos materiais distintos. Gosto muito de experimentar a expressividade de cada material, e ela me ensinou isso.
Folha - O sr. diria que a gravura, como técnica, tem a ver com essa fusão que existe, em sua obra, entre o informalismo e a utilização de figuras?
Tàpies - Sim, sem dúvida. A gravura permitiu a síntese de muitas coisas que eu já vinha experimentando na pintura e no desenho.
Claro que há as qualidades intrínsecas da gravura, mas ela ajuda a disciplinar a disposição espacial das coisas, a extrair o máximo de cada elemento da obra. Na gravura aprendi a valorizar o aspecto concreto da superfície.
Folha - Qual foi a influência do expressionismo abstrato americano no seu trabalho?
Tàpies - Foi mais que uma influência. Recebi estímulos muito importantes de artistas que conheci pessoalmente, como Franz Kline, Robert Motherwell e Jackson Pollock, nos anos 50 e 60.
Eles faziam uma revolução muito importante ao contestar a abstração geométrica, adotando uma forma mais livre e lírica, que depois chegou ao informalismo.
Esses artistas buscavam um corpo-a-corpo com os quadros, um expressionismo violento. Mas, ainda assim, eu era uma espécie de nota dissonante. Gostava dos quadros mais silenciosos.
Acredito que, no meu trabalho, posso ser intimista e lírico, mas também violento e dramático.
Folha - Por que a recusa à abstração geométrica?
Tàpies - Ela me parecia muito limitada, com aquelas cores planas, sem profundidade. Por outro lado, como um artista de nossa época, seria uma perda de tempo tentar fazer o que se pode fazer tão mais facilmente com fotografia e cinema, que é retratar a realidade.
Folha - Seu trabalho recente tende ao dramático, não?
Tàpies - Sim. É porque vivemos num tempo bastante complicado, com muitas tragédias, e isso influencia meu trabalho. Temos agora na Europa, por exemplo, uma guerra terrível.
Acho que nós, artistas, temos uma hipersensibilidade que nos faz sentir essas desgraças. Sempre espero que minhas telas ajudem as pessoas a encontrar caminhos de solidariedade e fraternidade.
Folha - Qual o papel da religião em seu trabalho?
Tàpies - É importante, eu não diria a religião, mas essa atitude de contemplar o interior do ser humano, que é da arte também.
A religião oriental me ensinou muita coisa. E a arte oriental também, por sua capacidade de comunicar essa idéia de contemplação, de espiritualidade, mas de uma espiritualidade sem transcendência.
Na minha obra isso aparece com a espontaneidade, com a rapidez com que trabalho, que é justamente para evitar os excessos do intelecto. Há uma expressão direta que atinge qualquer espectador.
Folha - Qual a importância do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto em seu trabalho?
Tàpies - João Cabral, além de um amigo, foi uma pessoa muito importante em Barcelona, no período em que foi cônsul do Brasil na cidade. Nos ajudou a ver um outro aspecto da modernidade, a nós que estávamos muito tomados pelo surrealismo e dadaísmo.
Mostrou que a arte pode ter espontaneidade e, ao mesmo tempo, ser muito trabalhada, consciente. É um grande poeta e intelectual.

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