São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 1995
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Tribunal de Contas da União _um arquivo de amigos

LUIZ GUSHIKEN; ADACIR REIS

Neste momento, cumpre resgatar a discussão sobre a corrupção e a impunidade no Brasil
LUIZ GUSHIKEN e ADACIR REIS
Nos próximos dias, o Congresso Nacional teria por obrigação proceder à escolha de um novo nome para ocupar, vitaliciamente, uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Porém tudo indica que isso não ocorrerá.
Concebido como órgão técnico-auxiliar do Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União deve, sem prejuízo de sua autonomia, colaborar com o Poder Legislativo em sua tarefa de fiscalização dos gastos públicos.
Assim, cabe ao Tribunal de Contas da União emitir parecer sobre as contas prestadas anualmente pelo presidente da República, realizar auditorias nesta ou naquela estatal, examinar convênios onde haja a participação de recursos públicos, aplicar multas aos responsáveis por irregularidades, além de outros formidáveis poderes.
Para o desempenho de suas tarefas, todas de natureza técnica, o Tribunal de Contas da União dispõe de funcionários e auditores recrutados por concurso público.
Entretanto, a indicação daqueles que realmente detêm o poder de decisão obedece a critérios nitidamente político-partidários. Dos nove ministros -assim são chamados aqueles que efetivamente decidem-, um terço é escolhido pelo Executivo (com aprovação do Senado Federal) e dois terços pelo Congresso Nacional.
Nas ocasiões em que a escolha é de responsabilidade do Congresso Nacional (CF, arts. 49 e 73), recairá sobre os membros da Câmara e do Senado a decisão. Então é isso que deverá ocorrer na indicação do próximo nome? Não. Não porque o processamento da votação no Congresso Nacional está normatizado por um decreto legislativo que, de maneira absolutamente contrária à Constituição Federal, promove um ``rodízio" entre Câmara e Senado!
Mesmo sendo atribuição do Congresso, que se compõe da Câmara e do Senado (CF, art. 44), caberá somente aos membros de uma ou de outra Casa, alternadamente, participar do processo de votação. Como se vê, por um simples decreto legislativo, uma simples norma regimental, alterou-se a Constituição em diversos artigos.
Se a escolha do novo integrante do TCU decorrer exclusivamente da aprovação da Câmara, sem o concurso do Senado, é preciso que se diga em alto e bom som: a escolha não terá a menor validade no mundo jurídico.
O TCU atualmente não chega a ser um modelo de fiscalização. Diga-se de passagem que os grandes escândalos de corrupção na máquina administrativa deste país não resultaram de sua atuação fiscalizatória. E se para a ocupação de um cargo eminentemente técnico a Constituição já define critérios condicionados às maiorias ocasionais do Congresso, um simples dispositivo regimental pode rasgar esta mesma Constituição para comprometer ainda mais a imagem do TCU.
Praticamente esquecidas as espetaculares revelações da CPI Collor/PC Farias e da CPI do Orçamento, sobretudo numa conjuntura em que as propaladas ``reformas" tornaram-se a grande salvação nacional, cumpre resgatar a discussão sobre a corrupção e a impunidade em nosso país. Algumas instituições carecem de aprimoramentos, como é o caso do Ministério Público, outras, como o TCU, reclamam uma reflexão mais profunda.
A sistemática adotada para a indicação dos integrantes do TCU, além de equivocada na sua concepção e desvirtuada na sua execução, tem sido a primeira causa da inoperância do órgão. Outro elemento que contribui para sua deplorável atuação é uma visão anacrônica de fiscalização, que prioriza o exame formal dos atos administrativos em detrimento das investigações e auditorias. Na pretensão de tudo examinar, muito pouco é rigorosamente examinado.
A estrutura organizacional do Tribunal de Contas deveria ser ``horizontalizada" e descentralizada, privilegiando o trabalho dos técnicos e auditores, cujos pareceres teriam caráter meramente opinativo. Os postos de ``ministro" deveriam ser extintos. As denúncias ao órgão seriam apuradas com maior transparência e presteza, oferecendo ao Legislativo o desejado respaldo técnico.
Depois de ter se convertido naquela ``instituição de ornato aparatoso e inútil", perigo precocemente temido por Rui Barbosa, seu idealizador, o TCU teve suas atribuições substancialmente ampliadas pelo texto constitucional em vigor. Transformado num importante instrumento do jogo político, sem contudo exercer seu poder fiscalizatório, o TCU continua sendo aquele lugar ``onde se arquivam os amigos", na singular expressão de Getúlio Vargas.

LUIZ GUSHIKEN, 44, é deputado federal pelo PT de São Paulo e vice-líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional do PT (1989-90).

ADACIR REIS, 26, advogado, é membro do Centro de Estudos Institucionais pela Cidadania e um dos autores do livro ``Roteiro da Impunidade" (Scritta Editorial, 1994).

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