São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 1995
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TV Cultura _uma solução possível

ROBERTO MUYLAERT

É digno de admiração e respeito o esforço que o governador Mário Covas tem feito para restaurar as combalidas finanças de São Paulo. É preciso ter determinação, coragem pessoal e também política para liderar um processo de saneamento em que heranças complicadas surgem em quase todas as áreas do governo do Estado. E os resultados positivos já se fazem notar em muitos setores.
A Fundação Padre Anchieta acabou aparecendo como parte do problema, muito embora não tenha nenhum dos vícios que caracterizam as estatais.
Na área de pessoal, por exemplo, não há caso de um único funcionário admitido por razões políticas nos últimos três mandatos.
De fato, a missão da TV Cultura e das rádios vem sendo cumprida a contento, como atesta a aprovação pelos telespectadores de São Paulo e de tantos outros Estados cobertos pela emissora paulista.
Seu custo por espectador atingido no ano, se considerado o horário de maior audiência, é de US$ 5, uma relação custo-benefício superior à de muitas emissoras comerciais.
Os programas infanto-juvenis da emissora são uma especialidade da casa, reconhecida internacionalmente. Para se ter uma idéia dos recursos envolvidos para realizar o último deles, o ``Castelo Rá-Tim-Bum", basta lembrar o tempo da preparação de roteiros, gravação e edição, superior a um ano e meio. Bem como o número de profissionais contratados especialmente, da ordem de 150, fora cerca de cem funcionários da Cultura que trabalharam todo o tempo na operação e realização de outras atividades-meio necessárias ao programa.
Note-se que todos os cenários, efeitos especiais e adereços foram feitos por equipes formadas na casa, há muitos anos, constituindo um conjunto de especialistas que só existe em poucos países do mundo. Todo esse processo custa caro, e sem o acordo feito com o Sesi não haveria recursos para realizar a premiada série.
Mesmo programas não tão complexos em sua feitura, como ``O Professor", uma revista de ciências, necessita mais de um ano para a produção e gravação, envolvendo cerca de 80 pessoas, dentre elas alguns professores de física. Não é de admirar, portanto, que as TVs comerciais não se aventurem nesse tipo de empreitada, sendo bem mais rentável a produção de programas feitos para empurrar merchandising nas crianças.
No item da arrecadação própria, a emissora já atingiu montantes expressivos, difíceis de superar, sem que se altere a legislação que proíbe as TVs educativas de receber quaisquer contribuições, mesmo que não apareçam na tela.
Para se ter uma idéia, os R$ 5,2 milhões faturados no ano passado, só em apoios culturais, correspondem a 260 vendas diferentes, se for considerado o custo médio de US$ 20 mil por programa, por mês.
O raciocínio simplista de que basta subir o preço para faturar mais às vezes não coincide com o interesse do comprador, disposto a pagar mais só por veiculações de comerciais.
Como as negociações são feitas com base no retorno do investimento para o anunciante, as compras dos ``apoios culturais" na TV Cultura só continuarão se for mantida a atual qualidade da programação, responsável pela audiência. A Cultura ocupa o terceiro lugar no horário nobre, competindo com seis emissoras comerciais.
Outro fator importante para manter o desempenho da nossa TV pública é o planejamento e a retomada da produção dos programas mais requintados, antes que a cota de reprises esteja esgotada.
No caso da TV Cultura reprise é obrigação, já que a audiência no horário de pico é de 10%, mas há 50% de audiência acumulada no mês, que assistiu pelo menos uma vez a emissora. Isso faz com que os programas de sucesso sejam mais vistos na segunda e terceira exibições.
Agora já se passaram seis meses sem nenhuma grande produção nova. Esse fato exigirá uma ação imediata para tirar o atraso, que será sentido pelos telespectadores a partir de algum momento do segundo semestre.
Televisão é entretenimento, já que ninguém liga a TV para se aborrecer, embora se aborreça com frequência. É também hábito, já que só se consegue audiência com uma grade de programação em que um programa leve a outro, como foi conseguido pela Cultura.
Todos os fatores aqui referidos se relacionam e se somam para que o milagre da criatividade e da sedução do público prossiga. Eles precisam ser preservados, apesar dos sérios problemas financeiros existentes.
Começam agora os movimentos de pessoas bem-intencionadas que pretendem salvar a Cultura por meio da coleta de contribuições das pessoas físicas. Essa fórmula, que sustentou as TVs públicas norte-americanas até a chegada dos cabos, não pertence à tradição brasileira. Até o prestigioso Masp, há alguns anos, fracassou no seu apelo à população de São Paulo para conseguir contribuições.
E se o pedido de dinheiro for feito pela televisão, além do resultado pouco significativo, a instituição ficará com a imagem prejudicada, ao passar o chapéu pela nobre causa.
Uma solução simples talvez esteja ao alcance do governo estadual, que quer resolver o problema: considerando que as empresas do Estado fazem muita publicidade institucional, de serviço e de editais -veja o caso do Banespa que segue anunciando-, basta que um percentual dessas verbas, cujo montante e distribuição sempre têm certo grau de subjetividade, seja dirigido à TV Cultura. Não como um favor, mas como uma opção de comunicação extremamente eficiente, nem sempre lembrada pelos homens de mídia, que preferem as veiculações tradicionais às alternativas mais criativas e mais baratas.
Essa solução pode representar a manutenção do padrão já atingido pela TV Cultura, sem novas verbas estaduais.
E se forem encontradas fórmulas para promover esses novos clientes da Cultura, como os ``infomerciais" tão em voga nos Estados Unidos, aquilo que pode parecer apenas uma solução para a TV Cultura acabará se tornando uma importante opção de mídia também para as empresas estatais.

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