São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 1995 |
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Não vale o escrito
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO - De Maquiavel a Hitler, o Estado é uma instituição imoral. Cumprir acordos é como pagar ágio: coisa de otário. Ainda bem que o Brasil é honesto, bota na cadeia os bicheiros que têm como norma honrar o que está escrito. E coloca no governo aqueles que, sabidamente, de tempos em tempos pedem que esqueçam o que foi escrito e assinado.Tivemos dois casos recentes: o acordo com os petroleiros, assinado por Itamar num botequim. Não valeu, apesar de haver um protocolo posterior em ambiente mais nobre. O atual presidente era ministro da Fazenda de Itamar, devia reconhecer a letra que assinou os decretos que o nomearam ministro duas vezes. Nem isso aconteceu. Outro caso, ainda em aberto, envolve a Argentina. O Brasil assinou um tratado internacional. Certo ou errado, ele tem de ser cumprido até nova negociação, que implica consenso das partes em litígio. A ruptura unilateral foi usada e abusada, neste século que está acabando, por Hitler. Na segunda-feira, ouvi FHC na TV dizer, sorrindo como sempre:``Sim, o Brasil assinou um tratado internacional, agora, temos que pensar no interesse nacional". Foi com essas mesmas palavras que Hitler invadiu e anexou mais de metade da Europa. O interesse nacional ficava acima de qualquer direito ou tratado. ``Deutschland uber alles." A leviandade do governo deixa mal o Brasil. Afinal, a pessoa física do presidente da República pode pedir que, em nome do seu próprio interesse individual, esqueçam o que ele escreveu. Mas a pessoa jurídica do chefe do Estado, sobretudo porque defende o interesse nacional, não pode cometer tamanha irresponsabilidade. A Argentina também tem o direito de defender aquilo que considera seu interesse nacional -e repetir uma aventura tipo Malvinas, pedindo que os brasileiros esqueçam os tratados assinados. A hipótese é radical, mas essas coisas costumam acontecer sobretudo entre povos irmãos. A atitude do Brasil, no episódio, revela a face mais repugnante da falta de caráter nacional. Texto Anterior: Imparcialidade é ilusão? Próximo Texto: Cota e miopia Índice |
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