São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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A dívida do presidente

JANIO DE FREITAS

A dívida do governo em títulos que, só neste ano, vão dar ao pessoal da ciranda financeira pelo menos R$ 15 bilhões de juros, sem exigir sequer um minuto de esforço, está preocupando o presidente Fernando Henrique. Foi o que ele disse no almoço político-comercial com parlamentares do PTB: ``A dívida já chega a R$ 70 bilhões". A preocupação do presidente seria compreensível, não fosse o crescimento galopante da dívida decorrer dos juros determinados pelo próprio presidente e estar ele, no almoço, negociando com parlamentares para votarem contra a redução dos juros para o máximo de 12% ao ano, como estabelecido na Constituição.
Qual dos dois Fernando Henrique considerar-se, o que impôs os juros mais altos do planeta ou o que se mostra crítico dos efeitos desses juros?
Um dos dois -e qual deles fica a critério do leitor- argumentou que a diminuição dos juros deve ser alcançada pela diminuição da dívida, e não por decisão do Congresso. E aí a perplexidade voltou a imperar, porque a dívida é que depende dos juros que a fazem crescer. Não subestimemos, porém, a capacidade de raciocínio do presidente-intelectual: ele sabe o que diz -e prova.
Eis sua solução para fazer a dívida diminuir sem que os juros diminuam: ``acelerar as privatizações e restabelecer o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira", aplicando o dinheiro daí resultante na redução da dívida. O IPMF para dar recursos à saúde, como reivindica o ministro Adib Jatene, já foi repelido pelo presidente, mas destinado à dívida é por ele considerado ``mais produtivo". Embora permaneça um pequeno problema: se os juros não descem, o que resta da dívida diminuída pelas privatizações e pelo IPMF logo voltará a subir. E em breve alcançará os níveis que acionam a preocupação do presidente -ou de um deles. E não haverá mais o que privatizar nem como manter o abominado e ``provisório" IPMF.
Mas não subestimemos a seriedade dos dois presidentes. Nisso, eles são iguaizinhos.
Outro argumento
O argumento do governo para o repentino aumento médio de 25% no gás, exposto em ``O Globo" pelo secretário José Roberto Mendonça de Barros, responde à curiosidade sobre os (quase) misteriosos motivos da benevolência governamental com os fornecedores e distribuidores de gás: ``Um botijão custava o mesmo que três cafezinhos de aeroporto".
A comparação é muito procedente. Primeiro, porque, como se sabe, as pessoas que usam gás de botijão, principalmente as que moram em favelas, costumam ir tomar cafezinho em aeroportos. Depois, porque a ninguém do governo ocorreu, curiosamente, que o gás não é barato, o cafezinho é que é um roubo. Tanto que os consumidores de gás de botijão, principalmente os favelados, costumam ir tomar cafezinho nos Estados Unidos. Onde, embora não se produza café, o cafezinho custa, em geral, 30 a 40% menos do que no Brasil real.

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