São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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Papo ou pílula?

CARLOS ROBERTO HOJAIJ

A psiquiatria é uma das especialidades que mais se beneficiaram do desenvolvimento da medicina. A consideração objetiva do cérebro como órgão responsável direta e indiretamente por alterações mentais abriu perspectivas terapêuticas formidáveis.
A partir da substância clorpromazina, lançada em 1952, numerosos medicamentos surgiram, visando ao restabelecimento de funções cerebrais responsáveis por distúrbios e doenças mentais.
Desse modo, a utilização de psicotrópicos demonstrou o que a clínica psiquiátrica tradicional vinha pregando: muitos pacientes submetidos, durante anos, a procedimentos psicoterápicos, sem qualquer resultado definido, obtinham espetacular melhora -e até mesmo cura- em poucas semanas de tratamento farmacológico.
Pacientes rotulados como neuróticos, que apresentavam conflitos internos -como sentimentos de culpa, mau humor constante, inibição social ou sexual, impulsos à bebida ou jogo, medo de sair de casa ou viajar de avião, sentimentos de inferioridade levando a fracassos sequenciais-, eram submetidos a processo interminável de análise psicológica (geralmente de linha psicanalítica).
A necessidade de ajuda e um forte impulso à dependência, determinado por sentimentos de abandono e inferioridade, faziam o paciente ir transformando a confiança inicial depositada no analista em sentimento passivo de dependência.
E assim se seguiam meses e anos, em que o processo de explicação racional, feito pelo analista, substituía a observação psicopatológica criteriosa que saberia distinguir os distúrbios emocionais originados em situações de conflito de outros, determinados por disfunções cerebrais.
A psicoterapia tem o seu lugar na psiquiatria. Aliás, a prática psicoterápica (inicialmente como magia) foi empregada por médicos desde a antiguidade, quando os procedimentos técnicos objetivos se esboçavam.
Mas deve ser contida e utilizada criteriosamente para as pessoas que realmente apresentam conflitos psicológicos originados em situações de vida (atual ou pregressa), ou como auxílio psicopedagógico para certas personalidades.
Deve-se renegar a sentença "análise é bom, todo mundo deve fazer. O uso abusivo somente desprestigia essa técnica valiosa e, o que é pior, encarcera a pessoa em infindável processo interpretativo, onde tudo é explicado psicologicamente, e muito pouco é resolvido em termos reais e práticos.
Várias pessoas que se apresentam pessimistas ou mesmo irritadiças, ou que durante quase toda a vida se mostram medrosas, inseguras, inibidas, são diagnosticadas -à luz da moderna psiquiatria biológica- como sofredoras de distúrbios de ordem funcional localizados no cérebro e passíveis de uma terapêutica farmacológica.
É surpreendente como em poucas semanas -com mudança e estabilização do humor provocados pelas drogas- o indivíduo é, em alguns meses capaz de transformar sua vida.
Como diz sentença hindu, tão citada por Lou Salomé, "quantas auroras ainda não resplandeceram?. Papo é bom, mas, geralmente, a pílula é que resolve.

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