São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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Glenn Danzig vira João Gilberto do metal

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O show do grupo americano Danzig, anteontem no Olympia, foi sepulcral. Uma combinação de público escasso (cerca de mil pessoas) com atmosfera carregada.
Dois fatores concorreram para a ausência de público (o Olympia tem capacidade para 5.000 pessoas). Em primeiro lugar, o show da banda inglesa Toy Dollz (que passou uma década grafando seu nome como Toy Dolls), na mesma hora, no Palace.
Mas o que definiu a situação foi a falta de lançamentos de discos da banda no Brasil. Apenas o último álbum, ``4", saiu aqui. E só duas semanas antes do show.
Não é a primeira vez que isso acontece. Na verdade, a associação de lançamentos com shows virou prática das grandes gravadoras. Exemplo extremo foi o álbum ``Born Dead", do Body Count, lançado com um ano de atraso no país, na semana em que a banda se apresentou no Olympia. Seria lançado se a banda não viesse?
Com sete anos de carreira, Danzig ainda é um grupo obscuro no país. Foi ao show quem tinha os CDs importados e acesso às revistas americanas de música, que andam em campanha para entronizar Glenn Danzig. Para este público, apenas uma apresentação seria suficiente (foram marcados dois shows em São Paulo).
Preto foi a cor dominante, nas roupas da banda e da platéia. Para destoar, a iluminação sugeria uma viagem lisérgica.
Danzig não fez um show espetaculoso. Sua apresentação manteve o espírito punk, sem firulas. Mesmo assim, o cenário do palco tinha um forte enredo teatral.
Cordas cobriam os amplificadores, em alusão a teias de aranha, e, ao fundo, uma tela com a forma de rosto humano esticava-se ao ponto da dilaceração, puxada por ganchos de ferro, o que transportava a ação para o terreno de Clive Barker, em seu filme ``Hellraiser".
O clima tenso não ficou por conta apenas das letras tenebrosas. O vocalista Glenn Danzig deu seu show à parte. Trocou ofensas com um fã exaltado e passou sobre os seguranças para cumprimentar todas as mãos estendidas da primeira fila, onde, instantes antes, uma briga tinha irrompido.
Com o grande guitarrista John Christ à esquerda e o baixista gigante Von Eerie à direita, o pequeno e musculoso vocalista lembrava um homúnculo, um pequeno ser sobrenatural, que os feiticeiros medievais diziam saber fabricar.
Para um show de thrash metal convencional, a guitarra estava baixa. Mas este é o estilo de Danzig, que preza os silêncios climáticos entre os acordes chupados de Black Sabbath e a marcação ostensiva do baixo em suas músicas.
A comunicação com a platéia crescia com a cumplicidade provocada pela voz sussurrada. Descontadas as letras demoníacas, foi um show de metal intimista. Glenn Danzig mostrou-se o João Gilberto do punk metal. Faltou pouco para chutar o banquinho proverbial e ir embora antes do previsto.

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