São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 1995
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PFL 2000

ANTONIO PAIM

O artigo de Otavio Frias Filho intitulado ``PFL 2000" (edição de 8/6) merece alguns comentários, tendo em vista a posição que ocupa no universo da imprensa brasileira.
Difícil seria ultrapassá-lo em matéria de equívocos historiográficos e na capacidade de fazer afirmativas a esse respeito sem qualquer base documental, ignorando solenemente textos relevantes que têm sido divulgados sobre nossa história contemporânea (por exemplo, o balanço político dos últimos 50 anos efetivado por Bolívar Lamounier, o balanço econômico empreendido por Reis Velloso; os estudos que Hélio Jaguaribe tem denominado de ``Alternativas do Brasil", para não referir a estudos específicos).
Discutir topicamente esse assunto levar-nos-ia, entretanto, a tangenciar o essencial que me parece ser o seguinte: qual o objetivo da crítica que tem sido endereçada à nossa elite política? Suponho destinar-se a obrigá-la a dar consistência às suas agremiações. O pressuposto básico residiria na convicção de que inexiste democracia sem partidos políticos.
Não é necessário concordar com a proposta do PFL para reconhecer que vem desenvolvendo um grande esforço no sentido de identificar-se com a corrente da opinião brasileira que fez a opção liberal. Ainda que a revisão constitucional de 94 tenha fracassado, é público e notório que o PFL responsabilizou-se pela seleção dos temas que deveria abranger, deixando clara sua preferência pelo encaminhamento de soluções liberais.
Na coalizão que levou FHC ao poder, sua contribuição ao programa tinha nitidamente aquele caráter. O projeto ``PFL 2000" é o desdobramento natural daquele esforço. Trata-se de um movimento para comprometer a organização com o novo programa, que vem sendo discutido, a ser aprovado na convenção de 30 de julho.
Otavio Frias Filho sugere que o movimento em causa filia-se à tradição liberal do período posterior a 45, segundo seu entendimento encarnado pela União Democrática Nacional (UDN). Ao avaliar essa tradição, contudo, esgrime pouco mais que adjetivação desrespeitosa de grandes figuras de nosso passado político (Milton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, Carlos Lacerda etc.).
O articulista parece ignorar que a República instaurou o sistema do partido único, quebrado pelo Partido Democrático em 1926, processo que se desdobra na União Democrática Brasileira de 1937, abolida pelo Estado Novo. A UDN quis claramente absorver aquele legado, mas o interregno democrático de 1945/64 produziu duas outras agremiações com perfil próprio: o PSD e o PTB.
O fechamento dessas três organizações em 1965, pelo marechal Castello Branco, corresponde a um dos golpes mais sérios desfechados contra a democracia brasileira, obrigando-nos a começar tudo de novo nos anos 80. Pelo que se lê do artigo ``PFL 2000", recolhe-se a impressão de que seu autor concorda com aquela violência dos militares.
É provável que o conceito de democracia acalentado por Otavio Frias Filho nada tenha a ver com o entendimento consagrado de um processo destinado a organizar a tomada de decisão que deva tornar-se obrigatória para todos. A experiência dos países que conseguiram estruturar o sistema representativo sugere que aquela conquista depende da existência de partidos políticos identificados com correntes de opinião.
Os estudiosos têm dado tratos à imaginação para desvendar as razões pelas quais não se conseguiu lográ-lo no âmbito da cultura luso-brasileira. Somente agora, quase 200 anos após as primeiras eleições, Portugal tem dois partidos estáveis (o PS e o PSD), resultado que até o presente não alcançamos. Em que pese a circunstância, só conseguiremos exorcizar de vez o fantasma do autoritarismo quando obtivermos êxito semelhante.
De modo que não parece adequado ver-se o editor de um grande jornal, que tantos serviços prestou à restauração do regime democrático, desconhecer o significado da iniciativa ora empreendida pela direção do PFL. Se ele tiver sucesso na constituição de um partido liberal, congregado em torno de um núcleo programático, talvez abra o caminho para a estruturação de pelo menos mais duas agremiações: a social-democrata e a socialista-democrática, de que aliás não temos maior tradição, sendo igualmente uma tarefa tão árdua como constituir-se a agremiação liberal.

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