São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Estado vai trocar seringa para viciados

AURELIANO BIANCARELLI; CLAUDIO AUGUSTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dentro de dois meses, o Estado de São Paulo promete iniciar um programa de troca de seringas para usuários de drogas injetáveis. A medida visa reduzir o risco de contaminação pelo vírus da Aids.
Os dependentes trocariam seringas usadas por novas em postos fixos ou nas ruas comandados por profissionais de saúde.
São Paulo tem 57% dos cerca de 60 mil casos notificados de Aids no país. Entre os doentes do Estado, 32,14% foram contaminados usando drogas injetáveis.
A Secretaria da Saúde está respaldada em decisão do Conselho Estadual de Entorpecentes (Conen), que há três semanas autorizou a distribuição de seringas.
O conselho é integrado por representantes de vários setores -Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Federal e entidades da sociedade civil.
``Tem que ficar claro que não vamos colocar peruas na frente das escolas", disse Alberto Toron, presidente do conselho. De acordo com ele, muita gente se opõe ao programa de troca de seringas por desconhecer o projeto.
Médicos contrários à idéia afirmam que a cocaína -diferente da heroína usada na Europa e EUA- tem efeito rápido e exige trocas frequentes de seringa, o que inviabilizaria o programa.
Outros adversários dizem que o projeto facilita o uso de drogas, o que é considerado crime pela atual lei de entorpecentes. O Ministério Público já pediu informações sobre a decisão do Conen.
Paulo Roberto Teixeira, coordenador do programa de Aids de São Paulo, disse que o projeto de troca de seringas atingirá cidades onde a incidência da Aids é alta.
Entre as dez cidades brasileiras com maior número de casos por habitante, oito estão em São Paulo. Até agora, apenas Salvador, que ocupa o 25º lugar no ranking, iniciou um programa semelhante.
Segundo Teixeira, a estratégia do menor dano -denominação que os médicos usam para o programa de troca de seringas- teve ``resultados espetaculares" na Europa.``Em Liverpool, na Inglaterra, a taxa de infecção pelo HIV entre os usuários de drogas caiu de 40% para 2%."
Ele não soube dizer quanto o programa custará em São Paulo. ``Mas a seringa em si tem um custo pequeno dentro do nosso trabalho", disse.
O programa de São Paulo faz parte de um amplo projeto de prevenção à Aids do Ministério da Saúde estimado em US$ 250 milhões e aprovado pelo Banco Mundial em 93. Cerca de US$ 10 milhões estão destinados ao usuários de drogas. Segundo o médico Fábio Mesquita, do Conen, a diferença do programa paulista é que entidades não-governamentais também poderão participar.
Justiça
O promotor Wallace Paiva Martins Júnior, da Promotoria de Justiça da Cidadania, diz que o programa de troca de seringas não deu certo na Europa.
``Na Holanda e na Suíça, esse programa foi descartado", afirmou o promotor.
Ele informou que está aguardando uma posição oficial da Secretaria de Estado da Saúde para decidir se toma alguma medida contra o programa.
Martins trabalhava em Santos quando o Ministério Público entrou na Justiça contra um programa semelhante da prefeitura.
Em Santos, o Ministério Público acionou a prefeitura com base em um dos artigos da lei de entorpecentes, que incrimina quem facilita o consumo de drogas.
O coordenador do programa de Aids do Estado, Paulo Roberto Teixeira, disse que as pessoas que trabalham com os usuários de drogas injetáveis precisam de segurança jurídica para desenvolver o programa de troca de seringas.

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