São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995 |
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Chorões lutam pelas formas mortas
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Uma terceira via corre pelos chorões brasileiros. Pelo menos a crer em cinco lançamentos em pequenos selos, para esses músicos sustentar a forma significa morrer um pouco a cada trabalho. Não há demérito nisso. Ao contrário, o valor artístico dos chorões reside na derrota que carregam incubada em toda execução. Forma defunta que teve o ápice nos anos 90 do século passado, o choro recebe às vezes um sopro, um toque, e ressuscita por instantes. Ensaia um lampejo para no segundo seguinte desfalecer, deixando-se conduzir pela corrente principal da MPB como a Ofélia da tela pré-rafaelita. ``Chorinho in Concert", do violonista cearense José Meneses, 73, é o exemplo mais sonante da tentativa de sobrevida por aparelhos alheios à instrumentação original do choro. Meneses, companheiro de Garoto e líder da banda Velhinhos Transviados dos anos 60, vale-se de orquestra para imprimir classicismo a peças suas, Ernesto Nazareth (1863-1934) e outros. O velhinho se mostra mais do que transviado na interpretação do ``Moto Perpétuo", de Paganini. Exaure com o cavaquinho a caricata peça de bravura. Meneses arranca ais nostálgicos em ``Meus Oito Anos", que compôs para o padre Cícero em Juazeiro do Norte, sua cidade natal. ``Eu em pé e ele sentado, ele era maior que eu", lembra Meneses no texto do release. Nas cordas frouxas de Meneses, a forma se mantém intacta e sorri no ocaso. Igualmente crepuscular, ``Este Brasil que Tanto Amo!", da pianista Eudóxia de Barros, 59, tenta dar um empurrão no cadáver de Nazareth. Aborda dele 17 composições, inclusive o surrado ``Odeon". O morto não respira. A industriosa Eudóxia padece de um carma: o espectro de Nazareth não a abandona mais. E vice-versa. Nazareth está colado a ela pela perpetuidade. Outra pianista se chama Rosaria Gatti, uma professora paulistana quarentona que se diz discípula do maestro Radamés Gnattali, mestre de Tom Jobim. Seu contato com o choro não tem cinco anos. Ainda assim, ``Zanzando no Chorinho" traz clássicos. É o caso de ``Zanzando em Copacabana", de Gnattali, uma peça cabeluda de harmonias. O estilo brejeiro e saltitante de Rosaria contrasta com o conservadorismo do grupo Nosso Choro, item de museu exumado da esclerótica boêmia paulistana. Embora não se enquadre no choro, ``A Modernidade da Tradição", do estreante cantor carioca Marcos Sacramento, se deixa vencer pelo espírito de ressurreição e morte súbitas do gênero, principalmente graças ao violonista Maurício Carrilho, 38. Este tem se revelado um necromante das harmonias ancestrais, dono de técnica e sentimento sem igual em seus pares exibicionistas. Chega ao exagero de transportar uma música de Caetano Veloso -o quase-choro ``Genipapo Absoluto"- dos anos 80 para os 20. Carrilho inverte a utópica linha evolutiva da MPB, fazendo Wilson Batista virar discípulo do ex-tropicalista. Pena Sacramento ser uma heresia; voz frágil, que jamais alça vôo em sambas Noel Rosa e Ataulpho Alves. Talento maior se alevanta em ``Leite de Coco", do saxofonista, clarinetista e flautista carioca Dirceu Leite. O disco reúne a elite do choro e traz restaurações antológicas. Gravado entre 1992 e 1993, o disco veio como foi no início do ano, desaparecendo das lojas. Traz os violonistas Dino 7 Cordas e Raphael Rabello (num raro instante de discrição no fim da vida). É obra de engenho. Leite pasma pela sensibilidade exacerbada. Vale a pena deixar o ``rigor mortis" do choro tingir as almas. Ele vem à noite puxar nossos ouvidos macerados pelas formas em desagregação. Denuncia que todos morremos. É antipop. Discos: ``Chorinho in Concert" (Cid), com José Meneses; ``Zanzando no Chorinho" (Eldorado), Rosaria Gatti e Nosso Choro; ``Este Brasil que Tanto Amo!" (Comep), Eudóxia de Barros; ``Leite de Coco" (Caju), Dirceu Leite; ``A Modernidade da Tradição" (Saci), Marcos Sacramento Quanto: R$ 20 (o CD, em média) Texto Anterior: Saem no Brasil três primeiros lançamentos Próximo Texto: Relançamento atesta declínio de Tim Maia Índice |
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