São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Uma lei genérica não garante nada

ANTÔNIO DIOMÁRIO DE QUEIROZ

A democracia se constrói com a participação dos setores organizados da sociedade civil. É assim no mundo todo. A busca do consenso pelo exercício da democracia exige participar das decisões e o compromisso de executar o que foi decidido. Essa condição participativa garante identificar o interesse convergente de plurais, subordinar os interesses específicos ao interesse comum e, consequentemente, maior eficácia social nas ações de governo.
No processo democrático, os interesses específicos das diversas entidades se tornam legítimos, porque se expõem ao debate aberto e abdicam de privilégios corporativos. Transformam-se em direitos e obrigações da cidadania.
A gestão democrática é fundamental num país como o Brasil, que optou por um modelo educacional pluralista a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade. Só assim é possível a convivência harmônica de interesses muitas vezes contraditórios e até mesmo antagônicos dos atores sociais.
Nesse contexto foi elaborado o projeto original da LDB da educação. Por seis anos, diversos segmentos da sociedade civil contribuíram com suas idéias para o aperfeiçoamento de sua redação, em diferentes fóruns e nas audiências públicas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Em nome da autonomia das escolas, universidades e sistemas de ensino, esse projeto foi substituído por uma nova proposta, qualificada por seu autor como ``um diploma legal sucinto, claro e genérico". Porém, na cultura brasileira, ao se deixar tudo em aberto o que se garante é nada. Ao omitir os direitos e deveres específicos, na prática se estabelece a predominância hegemônica dos interesses do grupo mais forte.
Foi assim com o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovado em 1961, que legislou sobre a autonomia universitária.
Por não especificar os compromissos do Estado e os direitos e deveres da sociedade, já em 1964, como então lamentava o reitor Antônio Martins Filho da Universidade Federal do Ceará, as conquistas formais foram paradoxal e insistentemente desrespeitadas pela interferência governamental nas universidades e pelas sucessivas medidas de contenção de despesas até a paralisação de atividades essenciais.
A mesma ameaça ocorre nos dias de hoje. Por intermédio de medida provisória restringe-se a participação aberta da sociedade civil na formulação e avaliação das políticas educacionais ao subordinar o Conselho Nacional de Educação à ação executiva do Ministério da Educação e do Desporto.
A ação administrativa das universidades está submetida a um emaranhado crescente de normas burocráticas e, ao final de junho, nem sequer tem perspectiva orçamentária para o término do ano letivo. O Ministério de Administração e Reforma do Estado invade a área da educação, propondo transformar as universidades públicas federais em organizações sociais não-estatais de direito privado.
A única condição de evitar esse tipo de distorção e garantir uma educação de qualidade é assegurar que as entidades representativas dos diversos segmentos sociais explicitem seus interesses e contribuam para a formação do projeto educacional democrático almejado por toda a sociedade brasileira.

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