São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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Na delegacia, 'racismo' quase sempre é injúria

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado de polícia Maurício José Lemos Freire, 39, ficou um ano como titular da única delegacia especializada em crimes raciais do Brasil. ``Quase tudo que aparece é injúria", diz.
Instalada no 17º andar de um prédio, vive de pouca ação ``a primeira delegacia de crimes raciais do mundo" -como a descrevem os seus responsáveis.
Neste ano, apenas 53 ocorrências foram registradas. Menos de uma por dia. Mais exatamente, até hoje, são 3,3 dias para cada Boletim de Ocorrência.
Não que os três delegados, três escrivãs, oito investigadores, quatro agentes policiais e um de telecomunicações estejam executando mal as suas funções.
O problema da Delegacia de Polícia de Investigações sobre Crimes Raciais (tel. 011-227-1331) é outro: poucas pessoas aparecem ali com um caso real de racismo, de acordo com a lei brasileira.
``Há muita confusão na cabeça das pessoas. Pensam que tudo é racismo", diz o delegado Freire.
A lei em vigor que descreve as penas para crimes de racismo é a 7.716, de janeiro de 1989. Quase todos os seus artigos (reproduzidos nesta página) começam com três verbos no infinitivo: ``impedir", ``recusar" ou ``negar".
Racismo, no Brasil, não é apenas xingar alguém fazendo referência à cor da pele. Racismo é, entre outras coisas, impedir alguém de fazer algo por causa da cor da pele.
Por isso, muita gente que vai a uma delegacia de polícia acusando alguém de racismo sai apenas com a perspectiva de abrir um processo de injúria, calúnia ou difamação.
O delegado Freire explica:
``Quando uma pessoa chama a outra de `macaco', isso é injúria. Se a ofensa for chamar alguém de `ladrão', sem provar, isso é calúnia. E no caso de um profissional classificar o outro de `incompetente', aí é difamação. Tudo isso aí é muito confundido com racismo, principalmente quando há um branco e um negro envolvidos."

Como processar
A pessoa que se sente ofendida racialmente tem de colher provas e apresentar testemunhas para conseguir ganhar um processo.
Se um negro for impedido, por causa da sua cor, de entrar em um restaurante, terá de provar.
Se na hora da tentativa de entrar no restaurante apenas o porteiro da casa estiver presente, dificilmente o negro terá sucesso ao tentar processá-lo. Será palavra contra palavra. O réu quase sempre vence.
A especificidade da lei se justifica porque o crime de racismo é inafiançável. Uma vez comprovado, a pessoa vai direto para a cadeia, não cabendo a possibilidade de pagamento de fiança.
(FR)

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