São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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A razão das diferenças

PAUL SINGER

Uma das diferenças mais evidentes, no Brasil, entre brancos e pretos é a condição econômica: a dos primeiros é nitidamente superior à dos últimos. A pesquisa do Datafolha ofereceu à escolha dos entrevistados duas explicações para este fato: 1. "o preconceito e a discriminação dos brancos contra os negros ou 2. "os negros não aproveitam as oportunidades que têm para melhorar de vida. 58% votaram a favor da primeira razão e apenas 26% a favor da segunda; 8% acharam que as duas razões são verdadeiras. Há portanto uma maioria folgada, de mais de duas vezes, que atribui a pobreza da população negra à discriminação em relação aos que acham que o principal culpado pela situação de penúria do negro é ele mesmo. O que é reconfortador, convenhamos.
É interessante notar que entre os que se consideram brancos, a relação entre maioria e minoria é igual -58% x 26%- à da totalidade. Entre os que se consideram pardos, o desnível entre maioria e minoria - 61% x 24%- é um pouco maior. O espantoso é que entre os que se identificam como pretos, o desnível é bem menor - 53% x 31%. Entre os próprios inferiorizados, a proporção que acusa o preconceito é menor e a proporção que culpa a si mesmos maior do que nos outros dois grupos étnicos distinguidos na pesquisa.
Dentro de cada um dos três grupos étnicos, há outras características pessoais que marcam posicionamentos distintos. A mais importante neste sentido é a escolaridade. A relação entre os que concordam com a 1ª razão e com a 2ª, é de 52% x 30% entre os brancos com até o 1º grau, de 68% x 20% entre os brancos com 2º grau e de 59% x 17% entre os brancos com grau superior. Fica claro que quanto maior a escolaridade, tanto maior é a consciência de que a população negra é vítima de discriminação. Esta influência da escolaridade é ainda maior entre os pardos: para os que têm até o 1º grau, a relação entre os que escolheram a 1ª razão e a 2ª razão é de 54% x 28%; para os que têm 2º grau, a relação é de 72% x 18% e para os que têm grau superior a relação é de 74% x 15%. Já entre os negros a influência da escolaridade é menor: entre os que têm 1º grau, a relação é 50% x 34%, entre os que têm 2º grau ela é de 61% x 23% e entre os que têm grau superior ela é de 55% x 19%.
Em cada um dos grupos étnicos, os que têm apenas o 1º grau ou menos apresentam proporção relativamente alta que acha que a culpa é dos próprios negros. Esta proporção cai nos que completaram o 2º grau, tanto entre os brancos como entre pardos e negros. Mas a influência neste mesmo sentido do grau superior só é inequívoca entre os pardos. Tanto entre os brancos como entre os pretos com grau superior cresce a proporção que aceita as duas razões, isto é, acham que os negros são vítimas e culpados ao mesmo tempo. São 12% dos brancos e 22% dos pretos.
As atitudes assumidas pelos que se identificam como pretos são algo enigmáticas, sobretudo dos que completaram curso superior. Praticamente 41% deles aceita a idéia que muitos de seus irmãos de raça são mais pobres porque não aproveitam as oportunidades que têm. É possível que parte dos negros mais intelectualizados desejem assumir uma postura de isenção para não parecer guiados pelo auto-interesse. Ou então nutrem opiniões muito mais críticas em relação à sua própria etnia do que brancos e sobretudo pardos com a mesma escolaridade.
Convém notar que não é apenas a população negra mas também a população parda que sofre de condições de vida piores que a população branca. Mas, como a pergunta feita só faz referência aos negros, isso pode ter deixado os pardos mais à vontade para atribuir unicamente ao preconceito a causa da diferença.
A atitude dos negros talvez possa ser melhor interpretada, se a compararmos com as respostas oferecidas a uma outra pergunta, a respeito de uma pessoa negra jovem, que se disponha a trabalhar duro para melhorar de vida. Os respondentes escolheram uma de duas alternativas: 1ª a pessoa negra conseguirá seu intento; ou 2ª ela não tem chance de êxito, por mais que se esforce. É interessante observar que os brancos e pardos que admitem ter preconceitos contra negros optaram mais pela 2ª alternativa do que os brancos e pardos que não têm preconceitos. O que sugere que a 1ª alternativa, longe de negar o peso do preconceito contra o negro em nossa sociedade, demonstra confiança em sua capacidade de superá-lo. A relação entre os que optaram pela 1ª alternativa e pela 2ª alternativa no conjunto da mostra foi de 78% x 17%. Entre os negros foi de 75% x 19%, mas entre os negros com grau superior foi de 82% x 6%!
Parece claro que, com exceção de uma pequena minoria, os pretos com grau superior confiam em seus irmãos. O que reforça a hipótese de que suas respostas a respeito da causa da maior pobreza dos negros no Brasil não denotam tanto autopreconceito como a ansiedade de não parecerem parciais em causa própria. Deveria valer a pena utilizar outros instrumentos de pesquisa, como discussões em grupo, para atingir melhor entendimento da questão.

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