São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O mundo em marcha

A convivência da alta tecnologia com a luta pela vida em estado quase selvagem é uma imagem fiel do mundo contemporâneo. Sebastião Salgado, possivelmente o fotógrafo documental de maior destaque da atualidade, com mais de 30 prêmios internacionais, estréia hoje no caderno Mais! a publicação da série ``Movimento de Populações".
Esse projeto está sendo publicado pelo ``The New York Times", ``The Independent", ``El País", ``Paris Match" e ``Stern", entre outros dos maiores periódicos do mundo. No Brasil, a Folha apresenta as fotos com exclusividade. E traz entrevista com quem há anos documenta o homem nos confins do planeta, grandes populações distantes ou próximas, mas fora das atenções.
Economista formado pela USP e pós-graduado nos EUA, Salgado faz trabalhos fotográficos de grande alcance -que consomem anos- sobre as tendências que identifica no mundo. A série ``Trabalho", que terminou em 1992, retrata as condições do trabalhador manual, uma categoria que parece questionada pelo atual estágio da tecnologia.
As fotos antológicas sobre a massa humana de Serra Pelada, ou do trabalhador esgotado, coberto de óleo, mirando impotente o jato negro que emerge do deserto do Kuait, mostram de fato um tipo de trabalho que a chamada pós-grande indústria parece pôr em xeque.
No mundo da alta produtividade, do trabalhador qualificado, a ciência e o conhecimento produzem cada vez mais e o trabalho simples cada vez menos. O trabalhador da linha de montagem já não é a imagem do progresso. Ele é um documento histórico, ainda que tenha o valor de tudo o que representa a luta do homem por sua dignidade.
A série que a Folha começa a publicar agora, ``Movimento de Populações", é um desdobramento dessa situação. ``Um movimento fabuloso de gente em busca de trabalho", diz Salgado. Para ele, a migração por trabalho não é tudo, o fluxo de refugiados no mundo passou de 4 milhões para 25 milhões em apenas quatro anos. As fotos do caderno Mais! mostram o Sudão.
Salgado dá uma noção do que significa esquecer as regiões que passaram a ser o resto do mundo. No início do século vivia na Europa 18% da população global. Hoje, os europeus são apenas 4,5%. E em 25 anos serão 2%, diz o fotógrafo-economista. É difícil supor que tal minoria possa construir um mundo estável à parte, se cruzando o Mediterrâneo persistir a desagregação.
As fotos de Salgado estampam a atualidade. E ao mesmo tempo trazem uma sensação existencial e não datada da epopéia humana, do mundo em marcha.

Texto Anterior: Racismo envergonhado
Próximo Texto: Uma nova crise da dívida?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.