São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995 |
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Walcott filho de Ogum por Lúcia Cristina de Barros LÚCIA CRISTINA DE BARROS
"Até agora, vi o aeroporto, o hotel e a televisão." O senhor está cansado? "Não, eu sou chato mesmo." São quase três da tarde. Trânsito pesado. Walcott concorda em falar. Pergunta: se ele pensa que um dos grandes desafios da modernidade é a coexistência das diferenças. Resposta: "Eu penso que um dos grandes desafios da modernidade é responder a perguntas profundas no banco de trás de um táxi." Não, isto não vai ser fácil. Assassinato em série Derek Walcott é um dos grandes poetas vivos da língua inglesa. Um senhor com uma leve barriguinha, de beleza discreta, tem a fala mansa e as palavras ferinas. A disciplina do escritor ele julga que adquiriu graças ao cigarro. "Eu levantava todo dia porque pensava: vou fumar. Daí eu escrevia enquanto fumava." Quando abandonou o vício, há menos de um ano -substituindo-o por outro, "assassinato em série, especialmente de jornalistas"-, Walcott continuou escrevendo. As cinzas da obra Seu trabalho, porém, "deteriorou-se consideravelmente". Tanto, que Walcott diz que divide sua obra em dois períodos, o fumante e o não-fumante, "a.F. e d.F., como antes e depois de Cristo". Como o trabalho do segundo período é "ridículo, chato", ele aconselha quem for a uma livraria a perguntar ao vendedor: "esse livro é a.F. ou d.F.?", e só comprar os primeiros. Walcott está rindo, um riso de desafio e deboche, de quem acha graça de si próprio. Preso dentro de um carro, cercado por um motorista, uma acompanhante e uma jornalista, ele está resignado a "fazer papel de escritor", coisa que detesta. Vai dar a entrevista marcada, mas em seus termos: divertindo-se em dizer qualquer coisa que julgue poder chocar. Depois, quieto, espera por alguma reação do interlocutor. Mas o silêncio parece incômodo para esse mestre da língua, que enche o ar com mais palavras. "Tenho sorte de viver numa pequena ilha, para onde eu posso sempre voltar", diz ele, confortável com a rotina da vida em Santa Lucia -escrever, nadar e ir para casa faminto. Descuido de simpatia A ilha, localizada no arquipélago das Antilhas, é sua casa, seu tema de muitas poesias e sua saudade. "Eu trabalho em muitos projetos simultaneamente", ele justifica, "é por isso que estou sempre tão incomodado". Bem, tinha que haver uma explicação. Texto Anterior: refúgios têm trutas, chalés e atletas radicais Próximo Texto: Walcott filho de Ogum Índice |
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