São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 1995
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Mestres discutem a força do curta

Oliveira e Kiarostami louvam formato

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O 3º Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde, o principal de Portugal, encerrado na semana passada, concebeu uma mostra simples, mas poderosa, para celebrar o centenário do cinema.
Cinco renomados diretores internacionais, que passaram pelo curta, foram convidados a preparar e apresentar uma seleção de seus pequenos filmes prediletos, exibida ao lado de seus próprios curtas. O resultado é um poderoso manifesto em defesa do formato.
Claro, o decano do cinema português, Manoel de Oliveira, 86, abriu a lista. Como que inspirado por seu batismo fílmico (``Douro, Faina Fluvial", 1931), Oliveira questiona o realismo do cinema, afirmando que ``a natureza cinematográfica é, em si, completamente indiferente a que o `fato' submetido à filmagem seja absolutamente real ou simulado".
Sua seleção de 14 títulos lança luz sobre os filmes que lhe fizeram a cabeça, das vanguardas da era muda (Delluc, Clair, Buñuel e Dali) e ao documentarismo mais investigativo (Ivens, Wright, Vigo, Rouch).
O americano Gus van Sant (``Midnight Cowboy") frisou em sua escolha a tendência testemunhal. Os onze curtas dele apresentados são assumidamente autobiográficos (``cada peça estava planejada como um episódio de três minutos sobre um ano de minha vida").
Os seis filmes escolhidos são todos diretamente vinculados à sua trajetória: do primeiro curta que assistiu (``Very Nice, Very Nice", de Arthur Lipsett) a ``Café e Cigarros", do colega Jim Jarmusch.
Um dos líderes do cinema experimental nos EUA, Jon Jost (``The Bed You Sleep In"), preparou um autêntico panfleto. Seu texto metralha os jovens cineastas que estréiam já de olho em Hollywood.
Jost encadeia sete argumentos em defesa do curta: treino, autenticidade, talento para o formato, paixão, autonomia estética, poesia, variedade. ``O pequeno é grande", conclui, selecionando seis curtas, reunidos a quatro próprios, todos experimentais americanos, para provar a tese.
O georgiano Mikhail Kobadhidze, uma tardia revelação pós-glasnost, é o exemplo vivo do cineasta-contista. Depois de realizar quatro deliciosas tragicomédias mudas nos anos 60, Kobadhidze teve sua carreira interrompida por razões políticas na URSS. Hoje de volta à atividade, ainda fiel ao curta, classifica o formato de ``irresistível". Provando que para ele menos é mais, selecionou apenas quatro títulos (dois de Chaplin, um de Dreyer e um de Polanski).
A obra de Kobadhidze reforça os argumentos do iraniano Abbas Kiarostami, que apresentou 14 filmes de seu país: ``nos curtas, vemos os valores individuais e artísticos dos cineastas, mais que suas proezas técnicas". Invertendo a equação, o diretor de ``Através das Oliveiras" defende que os diretores deveriam ``experimentar no longa-metragem e a seguir realizar curtas".
O público de Vila do Conde reafirmou a força do curta brasileiro ao escolher ``Amor!" de José Roberto Torero como melhor filme.

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