São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Papo de traficante

STALIMIR VIEIRA

Parece que a queda significativa do número de fumantes nos EUA está colocando as ``tabageiras" em pânico. Resultado: uma ação despudorada no Terceiro Mundo em busca dos lucros sacrificados no Primeiro. No Brasil, as indústrias tabageiras se agarram com unhas e dentes às benesses da liberdade absurda de que ainda dispõem.
Como que prevendo que essa outra farra logo deverá merecer algum cuidado por parte do governo, atiram-se desavergonhadamente a fazer a cabeça dos mais vulneráveis: nossos jovens, gente entre 12 e 17 anos. Uma vez viciado nessa idade, creio que o indivíduo estará por uns dez anos à mercê dos fabricantes.
As mensagens da propaganda de cigarro carregam hoje um potencial de estrago como não via desde o tempo em que traficantes ofereciam LSD aos adolescentes, remetendo a sonhos coloridos, falando que ``a realidade é sonho".
É verdade que são afirmações absolutamente idiotas, que não resistem a nenhum questionamento baseado no bom senso. Porém, são perversas na sua eficácia junto à fantasia infantil.
Curiosamente, essas mensagens começam a ganhar corpo simultaneamente a um movimento que busca descriminalizar a maconha. Não é interessante? Aliás, faz bem quem pergunta como será conduzida a questão da maconha, uma vez legalizada.
É verdade que os plantios existem por boa parte do Nordeste, em lugares sabidos e notórios, objetos de reportagens com fotos e testemunhos, suficientes para abastecer toda a América do Sul.
Vai ser a maconha comercializada em saquinhos nas esquinas? Ou em maços selados com imposto pago e tudo? Nesse caso, a quem caberá a industrialização, a embalagem, a distribuição? Quem se habilitará?
Alguém começando do zero ou o parque industrial e o esquema de distribuição eficientes já instalados para o cigarro? São apenas perguntas. De todo modo, fabricando e distribuindo cigarros normais ou, quem sabe um dia, cigarros de maconha, a verdade é que as indústrias tabageiras já encontraram o veio de comunicação mais eficiente para motivar novas tropas de fumantes.
Trabalhar o sonho do jovem, atender sua busca romântica da relação com o universo, propor a sua realização interior como efeito de um ato, mostrá-lo valente e independente, eis alguns dos truques de que a propaganda de cigarro tem se utilizado para seduzir nossa juventude. Um verdadeiro papo de traficante.

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