São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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O risco de acertar antes

LUÍS NASSIF

A análise -no jornalismo ou em qualquer campo- pressupõe a capacidade de antever consequências de ações que estão rolando no momento e de traçar cenários -isto é, de tentar antecipar hoje o que poderá ocorrer amanhã. É tarefa duplamente perigosa.
Primeiro, por envolver muitas variáveis que podem passar despercebidas para quem formula o cenário. Quem faz a aposta corre o risco de o cenário não se materializar e de se desmoralizar.
Segundo, porque o cenário só se materializará dali a algum tempo -senão, não se trataria de previsão. Enquanto não se materializa, é mais fácil acreditar no que se vê.
Foi assim no período que antecedeu a implantação do real. A análise leiga dizia que o país iria acabar dali a um mês. A análise técnica sustentava que, com a inflação em URV praticamente estabilizada, a mudança de moeda garantiria rapidamente a estabilização inflacionária e a melhoria de renda da população.
Durante dois meses, quem acertou passou por governista.
Iniciado o real, em pouco tempo a análise leiga sustentava que o país descobrira o elixir da felicidade eterna. A análise técnica sustentava que, com as tolices cometidas no câmbio e o aquecimento da demanda, a âncora cambial iria se esgotar em poucos meses, levando a economia a uma recessão.
Durante alguns meses, esses analistas passaram por terroristas e inimigos do real.
Índices e crise
Tome-se o caso da virulência da crise atual. Foi plantada em abril. Na época, a coluna alertava que a crise se abateria primeiro sobre o interior, sobre as empresas menos capitalizadas e sobre os consumidores mais endividados. Ocorre que são fontes que não compõem o universo da grande imprensa. Seu binóculo está centrado ou nas grandes empresas -no caso da imprensa paulista- ou no governo -no caso de Brasília.
Sem olhos e ouvidos para os menores, a imprensa só se deu conta da crise quando bateu na capital.
Quando a coluna começou a alertar para o processo que se criara na economia, não havia uma só indicação estatística do quadro previsto. Havia apenas a observação da realidade, o conhecimento do universo microeconômico e a preocupação de saber o que ocorria fora dos grandes centros econômicos.
Ontem, com a crise já instalada nos grandes centros, já integrando o universo da imprensa e já captada por parte das estatísticas, os jornais já apresentavam o seguinte balanço:
Sylvania, Caloi, Monark, fábricas de freezers e geladeiras da Multibrás (Consul e Brastemp), Volks, General Motors e Ford concederam férias coletivas.
Férias coletivas significam o último ato de uma empresa antes de começar a proceder às demissões. Com as férias, ganha algum tempo e quita parte do passivo trabalhista -já que, demitindo, teria que pagar férias vencidas.
Emprego cai pela sétima semana consecutiva, pelos levantamentos da Fiesp (cuja pesquisa é feita diretamente junto às fábricas). São 13.836 empregos a menos. Os índices do Dieese (cujas pesquisas são domiciliares, portanto, menos precisas) indicam leve aumento do emprego em junho. Mas as previsões do próprio Dieese são de aumento do desemprego nos próximos meses, sucedendo as férias coletivas.
Segundo a Serasa, a emissão de cheques sem fundos em junho poderá representar o maior volume da história. No ano passado, foram 5,5 milhões. De janeiro a junho, 6,6 milhões. Apenas nos 20 primeiros dias de junho, 943 mil -o dobro da média mensal do ano passado.
Nos primeiros 25 dias de junho, o Serviço de Proteção ao Crédito inscreveu 138 mil novos inadimplentes -245% a mais do que no mesmo período do ano passado.
A posteriori
Esses são números concretos. Não se está falando em aumento de inadimplência. Está-se falando na possibilidade de maior volume de inadimplência da história. No próximo mês, começarão a aparecer os efeitos sobre a arrecadação pública.
O problema dessa história é que, sempre que a imprensa registrar essa lentidão para apreender a realidade e para estabelecer relações efetivas entre causa e efeito, só lhe restará lamentar os desastres a posteriori.

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