São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Menem descarta mudanças na economia

SÔNIA MOSSRI
DE BUENOS AIRES

O presidente da Argentina, Carlos Menem, disse ontem que vai manter em dia o pagamento da dívida externa e que não modificará a política econômica, apesar de pressões no próprio governo.
``Se peronizar a economia significa voltar ao que desmontamos ao reformar o Estado e privatizar, colocando em marcha uma economia dirigida, não estou disposto a peronizar a economia", afirmou.
Na manhã de ontem, o presidente se reuniu por quase duas horas com jornalistas da Associação dos Correspondentes Estrangeiros na Argentina no Hotel Alvear. Foi o primeiro encontro com a imprensa internacional em cinco anos.
Apesar de observar que ``todos os dias" dá apoio político ao ministro da Economia, Domingo Cavallo, Menem atribuiu a si a autoria do programa de estabilização, adotado em abril de 1991 e conhecido como Plano Cavallo.
Carlos Menem contestou o índice de desemprego produzido pelo Indec (Instituto de Investigação e Censo), do próprio governo, ligado ao Ministério da Economia. O Indec estima em 14% a desocupação, o que representa mais de 3 milhões de desempregados e subocupados.
"As coisas não estão mal na Argentina", disse ele, ressaltando que o salário médio do país é de US$ 700, enquanto nos países vizinhos está em torno de US$ 100.
Cauteloso com relação ao contencioso com o Brasil sobre a imposição de cotas às exportações argentinas de automóveis, Menem disse que esses ``conflitos" são rotineiros no processo de formação de uma união aduaneira.
Sobre as ilhas Malvinas, Menem lembrou que os EUA compraram o Alasca. Por isso mesmo, segundo ele, não seria novidade a tentativa do seu governo de recuperar a soberania sobre as ilhas mediante indenização à população local ou ao Reino Unido.

"Ansa" (Itália) - O que o sr. quer dizer com o risco de luta armada por causa da pobreza?
Menem - A fome ou a miséria são tão surreais que, em muitas oportunidades, se recorreu à força das armas para solucionar esses problemas. Não é que eu esteja totalmente de acordo, nem parcialmente de acordo.
É só uma advertência, à medida que vamos avançando sobre este flagelo que atinge muitos setores da humanidade, que é a fome.
Folha - O sr. ganhou as eleições há mais de um mês com ampla vantagem, apoiado, principalmente, na promessa de uma política social. Mas ainda não adotou medidas para combater o desemprego e a crise nas Províncias. Que pretende fazer?
Menem - Creio que a política social está em marcha, ao contrário, com todo o respeito, do que você pensa. Há muitos projetos que estão em execução por meio do Plano Quinquenal, com investimentos de US$ 80 bilhões.
Estamos apressando uma legislação trabalhista avançada para flexibilizar as relações de trabalho.
Estamos avançando sobre o flagelo de desemprego, que não é patrimônio da Argentina. Qualquer país tem este problema.
Se tomarmos, por exemplo, um dos países mais industrializados, o Japão, o índice de desemprego é de quase 4%. É realmente pavoroso para eles -mais de 3 milhões de desempregados no país onde a ciência e tecnologia mudaram o modo de produção.
Tome qualquer país da América Latina e observe que os índices de desemprego são muito maiores que os da Argentina. Isso não serve de consolo. Não se pode pedir num mês um êxito total.
A Argentina está em pleno desenvolvimento. Os índices de pobreza caem. Em 89, tínhamos 37% de pobreza. Hoje, temos 13%.
"La República" (Uruguai) - Em poucos dias se completa um ano do atentado à Amia (Associação Mutual Israelita Argentina). Levando em conta que Japão e EUA foram mais rápidos em solucionar recentes atentados, isso não mostraria que os serviços de inteligência argentinos são pouco eficazes?
Menem - Absolutamente não. Há um detido na Argentina e há uma solicitação de extradição de seis detidos pela Justiça paraguaia, que estariam ligados ao atentado, tramitando há três meses.
Abrimos as portas a todos os organismos de inteligência do mundo: aqui estiveram e estão investigando a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), Scotland Yard (Reino Unido), os serviços de inteligência de Espanha, França e Israel.
Esperamos que a Justiça paraguaia nos remeta os detidos. Alguns deles estariam, em princípio, relacionados com os atentados ocorridos na Argentina.
"Zero Hora" - Com o segundo mandato assegurado, o sr. pode se converter no presidente constitucional com maior continuidade no governo. Como o sr. quer ou espera ser reconhecido na política argentina?
Menem - Procurar por todos os meios uma Argentina melhor do que recebi em 89.
Televisão Nacional do Chile - Dos três atentados cometidos no exterior pela polícia secreta do regime militar chileno, o único que falta esclarecer é a morte do ex-comandante do Exército do Chile, general Carlos Prates (na década de 70, em Buenos Aires). O que seu governo poderia fazer a respeito?
Menem - Vou procurar maior informação sobre o tema. É claro que, se as atuais autoridades chilenas procuram colaborar conosco na investigação dessa causa, rapidamente vamos determinar quem são os culpados.
"Nachrichten für Aussenhandel" (Alemanha) - Por que o senhor só apoiou muito tarde Cavallo (ministro da Economia, Domingo Cavallo) na briga com o Congresso sobre patentes farmacêuticas e em outras divergências dentro do governo?
Menem - Eu acho que você está desinformado. Todos os dias estou dando apoio ao ministro Cavallo. Ele carrega a responsabilidade de manter o plano econômico desenhado por este presidente.
As reformas do Estado, a economia de mercado e a agressiva política contra a evasão fiscal são produto de proposta que fiz em 89.
"Cadena Cope" (Espanha) - De onde o sr. vai tirar os 330 mil empregos ao ano e os US$ 80 bilhões do Plano Quinquenal?
Menem - Vou repetir pela décima vez. Estão praticamente assegurados US$ 30 bilhões do Tesouro Nacional. Calculamos investimentos da ordem de US$ 35 bilhões por parte do capital estrangeiro e uma média de US$ 12 bilhões por parte das Províncias. Estão previstas muitas obras que gerarão empregos.
"France Presse (França) - Argentina e Brasil estão envolvidos numa controvérsia sobre automóveis. Isso não pode piorar a imagem do Mercosul junto a investidores estrangeiros?
Menem - Não. Em 15 de dezembro, estaremos, os quatro presidentes dos países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), na Espanha com 15 chefes de Estado da União Européia, subscrevendo a possibilidade de estabelecer uma zona de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul.
Não esqueçamos que nesse tipo de empreendimento sempre surgem dificuldades. Os europeus, por exemplo, estão há 40 anos com esse assunto. No Mercosul, os problemas são mínimos, e vamos superá-los pouco a pouco.
"Reuter" (Reino Unido) - As pesquisas indicam que o sr. continua com altos índices de popularidade. Será que é pela ausência de uma oposição forte?
Menem - Eu diria que as eleições de maio mostram que as coisas não estão tão mal na Argentina. O desemprego nos preocupa, mas não podemos esquecer que há muito trabalho informal, o que aumenta o índice de desemprego.
Lamentavelmente, há muitos estrangeiros que vêm para a Argentina. Não esqueçamos que os salários mais altos da região estão na Argentina, com uma média de US$ 700. Países da área têm salários inferiores a US$ 100. Talvez os índices de desemprego não estejam tão altos como dizem as estatísticas. Talvez estejamos 2% ou 3% abaixo.
Se a isso se agregarem uns 4% de trabalho legal de estrangeiros, então o mercado de trabalho na Argentina, apesar de não funcionar como desejamos, está funcionando medianamente bem. Caso contrário, não teria sido possível o resultado eleitoral de 14 de maio.
"UPI" (Estados Unidos) - O sr. estimou dois meses difíceis para os argentinos, mas as Províncias já manifestam problemas. Que análise o sr. faz disso?
Menem - Os problemas que as Províncias têm não são por falta de recursos por parte do governo federal, levando em conta os acordos que firmamos com as Províncias, como o pacto fiscal (privatização de órgãos estatais).
As Províncias que cumpriram os acordos não tiveram problemas. Uma das Províncias que mais receberam recursos, a de Córdoba, não cumpriu o pacto.
Demos recursos adicionais a Córdoba de mais de US$ 200 milhões, o que provocou reclamações de outras Províncias. Córdoba não pôde sair dessa situação.
"Gazeta Mercantil" - Alguns bispos da Igreja Católica reivindicam a suspensão do pagamento da dívida externa, e segmentos do próprio Partido Justicialista (que sustenta Menem) pleiteiam a ``peronização" do plano econômico. O sr. vai promover mudanças no programa?
Menem - Não generalizemos. Não é a igreja que pede a moratória da dívida externa. São alguns bispos. Não levam em conta as consequências que pode haver se a Argentina não pagar em dia os compromissos da dívida externa.
Isso de peronizar a economia, você me diga o que é. Não entendo o que é peronizar a economia. Se peronizar a economia significa voltar ao que desmontamos ao reformar o Estado e privatizar, colocando em marcha uma economia dirigida, não estou disposto a peronizar a economia.
Saímos de uma situação difícil, não por culpa do peronismo. Este governo herdou uma economia extremamente populista e demagógica. Não há possibilidade de modificar o modelo econômico.
Não vamos desvalorizar nossa moeda. Está na moda dizer que a Argentina desvalorizará a moeda. Não vamos fazer isso. Afinal, o que está se desvalorizando no mundo é o dólar. Não temos motivo para seguir o caminho do dólar.
"Daily Mail" (Reino Unido)- Voltando ao assunto das ilhas...
Menem - Quais ilhas?
Daily Mail - As Malvinas.
Menem - Eu gosto desse assunto, ainda mais vindo de uma correspondente do Reino Unido (os argentinos não gostam quando os britânicos chamam as ilhas Malvinas, objeto de guerra entre os dois países, de ilhas Falkland).
"Daily Mail" - Qual é o volume exato que o sr. estaria disposto a pagar para cada um dos habitantes das Malvinas ou ao governo britânico para recuperar a soberania argentina na região?
Menem - Ainda estamos em negociações. Não falamos de valores. Estamos fazendo sondagens para chegar a um entendimento sobre a soberania. Não vai ser o primeiro caso no mundo. Não nos esqueçamos de que o Alasca foi comprado pelos EUA da Rússia.

Texto Anterior: Médicos vão operar Contreras de hérnia; Ladrões tomam 20 reféns em Berlim; Colonos judeus ocupam novas terras; Taiwan oferece verba por vaga na ONU
Próximo Texto: Entenda o que é 'peronização'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.