São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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Justiça tardia

DALMO DE ABREU DALLARI

A ex-prefeita Luiza Erundina estava certa, e os contribuintes do IPTU de 1992 deverão pagar agora uma complementação daquele imposto. Essa é a consequência de uma decisão do plenário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de 7 de junho de 1995.
Diz a sabedoria popular brasileira que ``justiça tardia é injustiça". Essa decisão do tribunal faz justiça quando reconhece que era constitucional a lei em que se baseou a ex-prefeita para cobrar o imposto e quando assegura a aplicação de um princípio de justiça fiscal consagrado na Constituição.
Mas as circunstâncias que cercaram a discussão judicial do assunto, além do longuíssimo tempo decorrido, sem uma justificativa razoável para que se tivesse uma decisão, tudo isso contém uma série de injustiças. E haverá também uma sensação de injustiça para o contribuinte quando for obrigado a pagar um imposto de 1992 que a grande maioria pensou que já tivesse pago.
É importante que os contribuintes saibam o que realmente aconteceu, para fazerem sua própria avaliação. Para isso é necessário retornar ao início de 1992. Baseando-se em lei municipal, a ex-prefeita de São Paulo efetuou os lançamentos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), adotando critério progressivo, pelo qual a propriedade mais valiosa deve sofrer uma carga tributária mais pesada.
Esse critério está previsto expressamente na Constituição Federal, no parágrafo primeiro do artigo 156, como princípio de política fiscal, podendo ser aplicado sempre, seja qual for o uso que se dê à propriedade. Ele nada tem a ver com a progressividade prevista no capítulo da Constituição que trata da política urbana, pois esta última tem o caráter de penalidade e só se aplica se não houver bom uso do imóvel.
Recebidos os avisos dos lançamentos, houve contribuintes, especialmente proprietários de imóveis mais valiosos e especuladores imobiliários, que reagiram como se estivessem sendo reduzidos à miséria por um ato arbitrário da ex-prefeita Luiza Erundina.
Logo surgiram os inconstitucionalistas de plantão, sempre disponíveis para dar opiniões apressadas contra a ``prefeita do PT" e a favor daqueles que habitualmente exigem melhores serviços públicos e fazem tudo para não pagar por eles. A grande imprensa noticiou a seu modo esses fatos, como se fosse indiscutível a inconstitucionalidade e como se a cobrança do imposto atendesse a um interesse pessoal da ex-prefeita, omitindo-se até o fato de que ela cumpria lei municipal.
Coroando esse movimento de resistência, o procurador-geral da Justiça, Antônio Haraldo Dal Pozzo, muito ligado ao então governador Fleury, propôs uma ação junto ao Tribunal de Justiça do Estado, em fevereiro de 1992, pedindo que fosse declarada inconstitucional a lei do IPTU, requerendo liminar para suspensão imediata da aplicação.
Era presidente do tribunal o desembargador Odyr Porto, também estreitamente ligado ao governador Fleury, de quem passou a ser auxiliar logo que deixou de ser o chefe do Poder Judiciário paulista. Acolhendo o pedido, o presidente proferiu um despacho absurdo do ponto de vista jurídico.
Assim, de acordo com a lei, cabia-lhe acolher ou rejeitar o pedido de liminar, mantendo a aplicação da lei municipal até que o tribunal chegasse a uma decisão, ou então suspendendo integralmente sua aplicação. Em lugar disso, o presidente do tribunal fez uma lei nova, determinando que todos os contribuintes pagassem o imposto pela taxa mínima prevista na lei tributária, que era 0,2% do valor do imóvel. E assim se fez.
Houve recurso para o Supremo Tribunal Federal, que, depois de vários meses, decidiu... não decidir, devolvendo o processo ao tribunal paulista, para que julgasse primeiro. Isso ocorreu no final de 1992, e desde então o assunto foi atirado à vala comum das questões de menor importância.
E veio agora, afinal, a decisão, que reconheceu a constitucionalidade da lei municipal e, por consequência, dos lançamentos do IPTU feitos pela ex-prefeita Luiza Erundina. Desse modo, o prefeito de São Paulo deverá exigir que todos os contribuintes, que em 1992 deveriam pagar mais e só pagaram 0,2%, efetuem agora o pagamento da diferença. Mesmo aqueles que, naquela ocasião, obtiveram mandado de segurança para pagar menos serão obrigados à complementação, pois o mandado foi concedido para impedir uma exigência ilegal, e agora o Tribunal de Justiça disse que não existe ilegalidade.
Para se ter idéia do que representou essa demorada aventura judicial, basta saber que o IPTU deveria fornecer à prefeitura, em 1992, recursos que na época seriam da ordem de US$ 400 milhões. Por força da liminar concedida pelo presidente do Tribunal de Justiça, aqueles recursos caíram para cerca de US$ 100 milhões, impedindo-se que a ex-prefeita Luiza Erundina executasse obras de relevante interesse social.
Isso, para alguns, era um objetivo político, enquanto outros buscavam e obtiveram proveito econômico. Se alguém tivesse dúvida sincera e bons propósitos, o assunto poderia e deveria ter sido decidido no primeiro semestre de 1992. É importante que o povo conheça esses fatos para que possa fazer o seu julgamento justo.

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