São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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Cumprir a lei é a melhor garantia

EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO

No setor de obras públicas, o seguro-garantia é uma apólice que dá ao Estado o direito de receber indenização de uma seguradora em caso de não-execução da obra por culpa da construtora.
Trata-se de uma garantia como outra qualquer. Em debate no Congresso em 93, entidades de construtoras, seguradoras e parlamentares concordaram em que deveria se introduzir na Lei de Licitações e Contratos esse tipo de seguro como uma das opções de garantia que uma empresa poderia oferecer, à sua escolha, para ingressar numa licitação pública. Assim, em 1994, o seguro-garantia foi incorporado à lei corretamente.
O mesmo consenso foi obtido em debate realizado em 26/4/95 no auditório da Folha. Os participantes -representantes de construtoras de todos os portes e seguradoras- concordaram unanimemente em que o seguro é válido como uma modalidade de garantia, mas sua adoção jamais deveria ser obrigatória.
Mas duas inverdades continuam sendo proclamadas por meio da imprensa: 1) a Lei de Licitações e Contratos não protegeria o Estado contra a não-conclusão das obras públicas pelas empreiteiras; 2) o seguro-garantia asseguraria a execução de uma obra se a construtora ganhadora da licitação não o fizesse.
Essas inverdades têm como fonte algumas megaempreiteiras que perderam a reserva de mercado a partir da livre concorrência assegurada com a edição de Lei de Licitações em Contratos em 1993. Inconformadas, passaram a alardear que a melhor forma de defender os interesses do Estado em uma licitação seria exigir das candidatas a apresentação de um seguro-garantia. Alguém acredita que essas empreiteiras, depois de tudo o que ficou demonstrado na CPI do Orçamento, estejam sendo sinceras quando invocam a necessidade de defender o Estado de eventuais prejuízos?
É evidente que essas empreiteiras fazem um jogo de palavras. Procuram dar a impressão de que o seguro-garantia asseguraria o Estado mais satisfatoriamente que as demais modalidades de garantia.
Isso não é verdade. O seguro-garantia não significa que a seguradora vá concluir uma obra abandonada pela construtora. O Código Civil limita a responsabilidade da seguradora ao prejuízo efetivo nos termos do contrato e ao valor da garantia dada. Portanto, estamos falando de uma garantia financeira, também conhecida como seguro-fiança: uma fiança representada por apólice emitida por uma seguradora.
A Lei de Licitações hoje dá a opção à empresa de apresentar uma das seguintes modalidades de garantia: caução em dinheiro ou títulos públicos; fiança bancária; seguro-garantia. A garantia não excederá 5% do valor do contrato, podendo atingir 10% (obras de grande vulto). Não se pode dizer que uma dessas modalidades é a mais segura.
Caução em dinheiro é melhor do que uma apólice de seguros. E entre uma fiança bancária e o seguro-garantia? Depende da solidez do banco e da seguradora. Na quase totalidade dos países industrializados se exigem garantias, que podem ser na forma de seguros, de 5% a 10% do valor do contrato. Nos EUA, o volume do seguro-garantia não está limitado, devido às peculiaridades locais em obras públicas e garantias.
No Brasil, elevar a porcentagem da garantia aumentaria os preços das obras públicas de duas formas: obrigaria a construtora a pagar um custo maior para atender essa exigência, o que seria repassado ao Estado, e restringiria o número de construtoras que poderiam participar de concorrências públicas, possibilitando a formação de cartel.
Mais perverso ainda seria elevar a porcentagem do seguro-fiança para 100% e torná-lo obrigatório, trazendo um prejuízo irreparável para o setor. As seguradoras se livrariam da concorrência de outras modalidades de garantia e passariam a fixar os prêmios que quisessem. Um cartel de empreiteiras e um oligopólio de seguradoras dominariam o mercado de obras públicas.
Se isso ocorresse, seriam agredidos os princípios de economia de mercado e livre iniciativa. Primeiro, seria aberta uma brecha para o dirigismo nas concorrências públicas. Isso porque o Instituto de Resseguros do Brasil é obrigado a elaborar um cadastro de tomadores do seguro-garantia, franqueando seu acesso às seguradoras. Qualquer administrador público poderia, com base nesse mapa, ``empacotar" as licitações de tal modo a excluir quem quisesse. No Brasil, algumas empreiteiras têm o controle de companhias de seguro.
Segundo, o mercado das médias e grandes obras seria reservado às poucas empreiteiras com patrimônio líquido suficiente para obter os seguros exigidos, pois o critério de concessão de crédito pela seguradora favorece as grandes empresas. O problema é que no Brasil quase todas as paralisações de obras ocorrem quando o governo atrasa, não paga ou provoca um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos, como aconteceu na conversão ao real.
Em todos esses casos, o Estado perde a condição legal de executar as garantias apresentadas e aplicar às empreiteiras as rigorosas punições previstas na Lei de Licitações e Contratos. Isso não mudaria com a eventual obrigatoriedade do seguro-garantia.
A circular 26 da Susep isenta a seguradora de responsabilidade em caso de ``descumprimento das obrigações do tomador (a empreiteira) decorrentes de atos ou fatos de responsabilidade do segurado (o Estado)", hipótese em que se inserem reduções de preços impostas por planos econômicos, atrasos e suspensões de pagamento.
Fica portanto descartado o seguro-garantia como solução, mesmo se apresentado com cobertura de 100% do valor do contrato. A aversão de algumas empreiteiras à livre concorrência é tão grande que sempre tentarão modificar a Lei de Licitações, mesmo que tenham de ceder vantagens às seguradoras.
Para quem cresceu graças a favorecimentos políticos, é dificílimo aceitar as regras da livre concorrência e da vitória dos mais eficientes. Hoje, o estrito cumprimento da Lei de Licitações é a melhor garantia para a execução das obras. Basta cumprir o que ela estabelece, ou seja, que o Estado não mais interfira nos contratos, fiscalize a execução das obras públicas, pague em dia e conduza honestamente seus negócios.

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