São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
`Studio' contrapõe Godard a Spielberg Apesar das farpas, cineastas se parecem AMIR LABAKI
A escolha é certeira: Spielberg simboliza como ninguém a força do cinema industrial americano, enquanto Godard é o sinônimo máximo da produção de vanguarda. As entrevistas tentam reafirmar a contraposição entre, forçando o estereótipo, os que muitos vêem como o ``Midas do cinema-pipoca" e o ``filósofo do filme-cabeça". Spielberg diz que o cinema ``é a vida melhorada" e que nestes cem anos evoluiu em direção ``à maior possibilidade de os diretores se exprimirem com menos autocensura". Godard sustenta que o cinema frustrou seu potencial, que ``não soube cumprir seu papel de instrumento de pensamento" ao ser monopolizado por sua porção ``espetáculo". Não faltam farpas. Spielberg reconhece a ``nouvelle vague" francesa de Godard, Truffaut e turma como marco da ``revolução rumo à autenticidade", ao lado do neo-realismo italiano, mas não se poupa de trombar com a afirmação godardiana de que o cinema não é arte ou técnica, mas sim ``mistério". ``A fabricação de um filme, sua realização, é técnica demais para que seja um mistério", retruca o cineasta. Godard é mais direto. ``Gutemberg não quis domimar o mundo, Spielberg quer." ``Peça às pessoas para se lembrarem de uma imagem de Spielberg, elas não conseguem." ``Entre o melhor Spielberg (para Godard, ``ET") e o melhor Hitchcock, há um mundo." A estratégia de críticas é a mesma: ataca-se o ponto forte do oponente. Spielberg pragmatiza um debate filosófico de Godard. Este, por seu turno, põe em xeque a ultrapopular obra do cineasta americano. Esse duelo só reforça a posição de ambos no moderno circo da mídia. Guardadas todas as abissais diferenças entre seus filmes, Spielberg e Godard são mais próximos do que gostariam de admitir. A cinefilia marca suas vidas e obras. Spielberg busca aperfeiçoar e modernizar a tradição, enquanto Godard simultaneamente a louva e a destrói. Ambos são figuras centrais da revitalização contemporânea do cinema. Por duas vezes, nos anos 60 e nos anos 80, Godard foi fundamental na redefinição do cinema de pesquisa, primeiro libertando o filme das amarras do filme tradicional, depois libertando o filme do fantasma do vídeo, ao aproximá-los. Spielberg, por seu turno, contribuiu decisivamente, ao lado de George Lucas, Coppola e Scorsese, para o reerguimento do cinema industrial nos anos 70, devolvendo-lhe um fascínio perdido desde o fim da era dos grandes estúdios. O elo entre Spielberg e Godard chamava-se François Truffaut (1932-1984) -ídolo e ator do primeiro, amigo e colaborador do segundo. Um encontro hoje entre os três, esse sim, poria os pontos nos ``is". Texto Anterior: Obra de Mestre Ataíde volta ao Caraça Próximo Texto: Palavra reverte a falta de convicção Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |