São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Falta ousadia às inovações da Globo

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O final da segunda versão de ``Irmãos Coragem", na última sexta-feira, coincidiu com o final de ``Contagem Regressiva", a primeira mini-série jornalística produzida pela Globo, em comemoração aos seus 30 anos.
Nada melhor do que a combinação do remake do primeiro grande hit da emissora com uma incursão jornalística ao seriado para pensar as transformações recentes e os dilemas televisivos do momento.
A primeira versão de ``Irmãos Coragem" estreou em 1970, cerca de um ano depois do ``Jornal Nacional", primeiro telejornal diário transmitido ao vivo para todas as regiões ao alcance dos sinais eletrônicos. Ousadia dramatúrgica e tecnológica se combinaram no padrão Globo de qualidade. A partir de ``Irmãos Coragem", telenovelas e telejornal compuseram uma receita de sucesso que veio para ficar no horário nobre.
``Irmãos Coragem" se inseriu em um esforço de trazer a realidade brasileira para as telenovelas. A novela é lembrada como faroeste brasileiro. É tida como responsável por atrair o público masculino -cerca de 40% do total- para o horário nobre. Era dotada de uma forte estrutura melodramática, em que Janete Clair era mestra. Depois de um ano de sucesso, na primeira versão, o povo esperançado se dedicava a reconstruir Coroado, destruída pelo fogo provocado pelo coronel enlouquecido e suicida.
Levando às últimas consequências a referência ao bangue-bangue, a nova versão foi buscar nas chapadas de Minas Gerais paisagens que lembram os faroestes americanos. Mas ninguém ainda conseguiu explicar porque o remake da novela foi escalado para o horário das seis, onde toda a energia inovadora foi desperdiçada.
Trabalho de luz, movimentos de câmera e cenários foram brutalmente pasteurizados. O resultado foi uma colcha de retalhos. Até o final foi amenizado. Sinhana sonha com Potira e Jerônimo vivos. Um João conformado nega. O coronel enlouquece, mas escapa. Provoca um incêndio, mas só na sua mansão.
``Contagem Regressiva" falou de temas como culto ao corpo, ecologia, informática, intolerância, fama e fome, terrorismo e fanatismo, o caos da vida urbana. A novidade aqui fica por conta do tratamento crítico dado a assuntos centrais dos últimos 30 anos.
A preocupação do ``Jornal Nacional" de encerrar o programa com uma mensagem de humor e/ou otimismo foi abandonada. Ficou de lado também aquele tom oficialesco à la ``Voz do Brasil". Cada episódio é pontuado por quadros ficcionais, quase crônicas da vida familiar de classe média dos anos 60 aos 90.
Há algo de artificial e sensacionalista na linguagem jornalística da empreitada. Os episódios são desiguais. O material de arquivo se mistura a material de hoje, favorecendo uma panacéia de texturas parecidas. Ficamos com vontade de ver a linguagem visual acompanhar a radicalidade da intenção analítica de alguns textos.
A TV pontuou a vida cotidiana dos últimos 30 anos com jornais e novelas que traziam novidades. Frente à concorrência do vídeo e das TVs a cabo, não dá para perder de vista essa ousadia.

Texto Anterior: Palavra reverte a falta de convicção
Próximo Texto: Penn resiste à nova Hollywood
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.