São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Livros exploram os escândalos sexuais

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A desmedida cobertura que deram ao vacilo do ator Hugh Grant tisnou de marrom até a imprensa supostamente impermeável a baixarias. Nada como um escândalo envolvendo celebridades para escancarar a vocação do chamado quarto poder para a alcovitice.
Havia, antigamente, para tais vexames, publicações especializadas, como a revista ``Confidencial" e seus epígonos internacionais, useiras e vezeiras em destruir reputações, carreiras e até vidas. Hoje, a cafajestice não tem mais fórum delimitado. Que o digam Michael Jackson, Mike Tyson e outros tantos vips recentemente vitimados por um tropeço sexual.
Por que tanto interesse pela intimidade dos ricos e famosos? Estudiosos descobriram o óbvio: a humanidade é sádica -e quanto mais pobres e obscuros somos, mais nos deleitamos com as desgraças daqueles a quem os deuses deram tudo. Menos, é claro, um anjo da guarda eficiente.
Porque somos assim é que livros como ``A Vida Sexual e Afetiva dos Gênios" (Rosa dos Ventos, 138 págs.), lançado há dias no Brasil, são feitos e quase sempre consumidos com doentia avidez. Escrito por um jornalista sem classe, Edward Abelson, é uma esquálida variante do best seller de Irving Wallace & família, ``The Intimate Sex Lives of Famous People", editado há 14 anos.
O fato de que o mundo já teve Plutarco, Vassari, e agora tem Abelson e quejandos, nos deixa muito mal perante a história. Seu livro é dividido em verbetes, para fácil consumo dos ``voyeurs" da revista ``Caras", e satisfaz os mais baixos instintos dos mortais, repertoriando as mazelas de personalidades do mundo das letras.
Gustave Flaubert? Coitado, era epiléptico. Katherine Mansfield? Jamais se curou de uma gonorréia. Isak Dinesen? Levou para o túmulo uma sífilis. T.S. Eliot? Infelicíssimo no casamento; como, aliás, Samuel Coleridge, Thomas Carlyle, Charles Dickens, F. Scott Fitzgerald e muitos outros. W.H. Auden? Sujeitou-se a um casamento arrumado com uma das filhas de Thomas Mann para que ela pudesse escapar ao nazismo.
Auden era homossexual, como Christopher Isherwood, o primeiro pretendido por Erika Mann. Isherwood declinou do convite para que os amigos não pensassem que ele estava mudando de time. Esta é uma das raras vinhetas interessantes do livro, que abusa de nomes embaçados pelo tempo (quem hoje se interessa pela infelicidade conjugal de George Gissing, George Meredith e William Wincherley?) e de personalidades sem momentos palpitantes em sua vida sexual (Agatha Christie, por exemplo).
Com um elenco limitado a 61 ``gênios", até no concorrido âmbito dos priápicos registraram-se ``forfaits" imperdoáveis. Balzac e sua extensa galeria de amantes ricas não foram esquecidos. Nem os fogosos Victor Hugo e H.G. Wells, que todos os anos renovava o seu quadro de cinco amantes simultâneas. Mas Alexandre Dumas, pai, não mereceu sequer uma menção pelos 500 filhos ilegítimos que dizia ter semeado na França. Idem Guy de Maupassant (um dos maiores faunos do seu tempo), Gabrielle D'Annunzio (que se vangloriava de ter traçado mais de mil mulheres casadas), Georges Simenon (que, segundo consta, teve mais de 10 mil casos amorosos) e Sarah Bernhardt (que só não transou com objetos inanimados).
Ao lado do caça-níqueis de Edward Abelson, as livrarias expõem outra aparente apelação: ``O Sexo de Proust", de Stéphane Zagdanski (Jorge Zahar, 96 págs.). Apesar do título, não explora, em linguagem popularesca, a pederastia do escritor francês, ocupando-se de analisá-la literariamente. Ou melhor, desconstruí-la. Com trocadilhos que traem o seu vezo lacaniano (``anal lógico" etc), defende a tese de que os homossexuais não são invertidos e que a literatura é fundamentalmente heterossexual.
Não é leitura para as leitoras de ``Caras". Salvo as raras que em outras épocas perlustravam a revista ``Tel Quel". Sintam só esta frase: ``A inteligência invertida não é literária, dizem Proust e Céline, pois ela apresenta, como reverso, uma profunda fascinação pelo mistério da babaquice humana, pelo umbigo da razão que é a vulva de uma mulher".

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