São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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Política Agrícola e Plano Real

ROBERTO RODRIGUES

Sempre é bom lembrar duas grandes diferenças entre a agricultura e os outros setores da economia: a primeira, bastante conhecida, é o risco da atividade. Este risco, por sua vez, tem várias faces: o risco do clima que, no Brasil, ainda não foi minimizado por algum tipo de seguro rural existente em outros países; e o risco dos mercados, em função da artificialidade de preços determinada pelas intervenções de governos, sobretudo primeiro mundistas, na linha de protecionismo ou subsídio nas mais diversas formas (crédito, estímulo à exportação, transportes, tributos, preços etc).
A segunda, menos comentada, é a questão da formação da renda na agricultura: Uma loja constrói sua renda diariamente, comprando e vendendo; uma indústria também produz o ano todo e a sua renda é formada ao longo dele; um profissional liberal -um médico, advogado, dentista, consultor- trabalha e recebe todo dia, assim como um banco, uma ``trading" etc. A agricultura, ao contrário, realiza sua renda em um único dia: o dia que o agricultor vende sua safra. Ele trabalha todos os outros dias do ano, gastando, aplicando seu recurso próprio ou seu crédito rural para realizar aquela produção que, vendida, lhe dará as condições de continuar na atividade. Ou não.
É por estas duas características marcantes: o risco e a formação da renda e, adicionalmente, pela sazonalidade de cada ação nas fazendas, que a agricultura, para ser sustentável, demanda um conjunto de instrumentos que outros setores não exigem, especialmente no momento da comercialização da safra. Tais instrumentos em conjunto constituem a política agrícola. São os preços mínimos, o crédito rural, o seguro, os investimentos em tecnologia e em infra-estrutura, os mecanismos de comercialização, os tributos, os subsídios etc.
A agricultura é um corpo sustentado por duas pernas: a produção e o abastecimento, que devem caminhar com a mesma velocidade e na mesma direção. O governo tem uma clara responsabilidade com o abastecimento, razão pela qual não se pode prescindir de sua presença na formulação da política agrícola. Como os objetivos desta implicam na garantia de competitividade aos produtores rurais de forma a lhe darem sustentação para a atividade, e como outros governos intervêm fortemente no setor, de novo se manifesta a necessidade de participação do governo brasileiro na política agrícola.
É verdade que cada vez mais o setor privado precisa se organizar para assumir responsabilidades que não cabem ao governo, como no investimento em infra-estrutura e na área comercial. Também se espera que modelos de crédito privado reduzam a dependência em relação ao Estado, cada vez mais incapaz de atender às demandas criadas no passado.
Mas é fundamental que exista uma política agrícola estável e definida para o país, com participação do governo, até porque é ele que define a política macroeconômica, ouvindo o parlamento.
De que adianta estabelecer uma política de crédito rural, por exemplo, se ela não estiver consistente com a política monetária, que hoje fixa juros altos?
De que adianta uma política de preços mínimos se a política cambial nos retira competitividade?
De que adianta uma política de desenvolvimento tecnológico se os impostos nos devoram os ganhos de produtividade?
E é exatamente porque todos estes pontos estão descasados com a política agrícola, que o setor rural está vivendo sua maior crise de renda na história moderna do Brasil. Em parte porque o governo espera objetivamente que a agricultura pague o preço da estabilização da economia, mas em boa parte porque vários de nossos Ministros, por mais que seja sua boa vontade e boa intenção, não fazem a mínima idéia do que pode representar para o futuro -e para o combate à inflação- uma quebradeira generalizada no campo.
Único setor que ainda não teve reajustes positivos -a cesta básica não variou de preços porque os produtos agrícolas perderam valor- a agricultura é, de fato, a grande âncora da estabilização até agora.
Esta âncora ``verde" está mostrando um contra-senso inacreditável. Enquanto a produção de grãos do país cresceu 3,5 milhões de toneladas em 1995 frente ao ano passado (75 milhões de toneladas em 94 e 75,5 em 1995), o valor desta produção caiu 26% (foi de R$ 17,6 bilhões no ano passado e será de R$ 13 bilhões este ano). Além desta brutal perda de renda, os custos financeiros subiram: A TR e os juros equivalem a uma taxa real de 50% ao ano.
Como sobreviver assim, com custos que crescem e faturamento decrescente, numa economia que se estabiliza?
É impossível. Como impossível será garantir uma outra safra recorde em 1996.

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