São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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Aritmética de ghost writer

ANTONIO DELFIM NETTO

O governo e a nação comemoraram, justamente, o sucesso do Plano Real no combate à inflação. Um sinal positivo é que o governo reconheceu, também, as dificuldades a enfrentar como consequência da desastrada política cambial. Dedicar dois parágrafos aos problemas criados para a agricultura foi, certamente, um avanço significativo no discurso do sr. presidente. Mas a preocupação manifestada com os escornados pelo ``juro escorchante" é mera figura retórica. Ele também é consequência dos erros da política cambial e, como ela, ``vai durar muito e muito tempo...".
Mas há um ponto em que é preciso alertar o ``ghost writer" de S.Excia., porque ele vem repetindo uma proposição equivocada. Afirmou-se no discurso que ``os preços da cesta básica foram estabilizados". E logo depois acrescentou-se: ``com a estabilidade eu pude dar um aumento importante para o salário mínimo, um aumento de 40%, inclusive para os aposentados".
Esquecendo piedosamente o eu imperial, serão essas proposições verdadeiras? Temos sérias dúvidas. Considerando que o trabalhador recebe e gasta o salário mínimo quase imediatamente, em produtos cujos preços sobem ao longo do mês, temos que em outubro de 1993, período anterior ao utilizado para fixar os salários em URV, a cesta básica valia 78,54 URVs. O salário mínimo era de 72,42 URVs. Ou seja, no mês anterior ao período utilizado para a ``urvização" um salário mínimo, no 1º dia útil do mês, comprava 92% de uma cesta básica.
O que ocorreu depois está expresso na tabela abaixo:

A primeira proposição do discurso (``os preços foram estabilizados") é verdadeira, dependendo do período tomado. A segunda (...``Eu pude dar um importante aumento para o salário mínimo") é claramente falsa! Medido na unidade escolhida pelo ``ghost writer", o valor do salário mínimo em junho de 1995 é apenas 8,7% maior do que o de outubro de 1993. Com a introdução da URV, o salário mínimo medido em cestas básicas chegou a 0,64 (isto é, um salário mínimo comprou apenas 64% de uma cesta básica) em junho-julho/94. Lembremos que em setembro de 1994 o presidente Itamar insistiu em elevar o mínimo para R$ 100. A área econômica resistiu, e ele o elevou para R$ 70. O que ele desejava era apenas devolver o poder de compra do mínimo perdido com a URV e o real, como lhe informava sua intuição.
Quando aumentou-se o mínimo de R$ 70 para R$ 100 (``...Eu...", sem o Congresso?), aumentou o seu poder de compra em 8,7% com relação a outubro de 1993. Ele havia sido devastado na introdução da URV e do real. Não houve, portanto, nenhum aumento real de 40% no salário mínimo. Nem poderia haver, sem consequências dramáticas sobre toda a economia.

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