São Paulo, quarta-feira, 5 de julho de 1995
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A inteligência de Laval

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Quando ouvi falar pela primeira vez em Fernando Henrique Cardoso, disseram-me que era homem inteligente, estava no Chile, em exílio voluntário, com amigos que eu conhecia aqui do Rio, como Thiago de Mello, Paulo Alberto (Artur da Távola), Ib Teixeira e outros. Eu estava na cadeia, recusei o exílio voluntário, achava que o meu lugar era aqui mesmo. Nesse tempo, eu já era burro e FHC inteligente -era isso o que eu queria dizer.
Na última reunião do PSDB, um pouco irritado pelas críticas à sua inteligência, FHC chamou a oposição de burra. Lembrei o pega-pra-capar na Assembléia francesa, em 1940, pouco antes do armistício que poupou a França da destruição, mas criou o regime de Vichy. O deputado Pierre Laval, que seria o premiê da nova situação, teve um descontraído bate-boca com os adversários que não compreendiam a capitulação francesa, aquilo que Jacques Maritain considerou um ``desastre" e, aqui no Brasil, Alceu Amoroso Lima classificou como ``Noite de Agonia em França".
Laval chamou seus adversários de burros, exatamente como FHC acaba de fazer. Como não perceber a modernidade do nazi-fascismo que estava vencendo em todas as frentes? Tomando o poder em 1933, num país destroçado pela inflação e pelo Tratado de Versalhes, em apenas seis anos Hitler transformou a Alemanha na nação mais poderosa da história, capaz de declarar uma guerra total contra o mundo.
Do insulto verbal, chegou ao insulto físico. O episódio é controverso, mas há depoimentos que sustentam a cusparada de Laval num defensor da resistência. Além de burro, o resistente merecia o desprezo do cuspe: estava tumultuando o ``processo", a modernidade que deveria prevalecer no século 20, com os competentes da raça superior dominando as sub-raças marcadas pela incompetência política e social.
Com a França libertada, Laval foi fuzilado pelos franceses livres. Seu nome é sinônimo de traição, de opróbrio, de ignomínia. Mas, enquanto durou o regime de Vichy, Laval foi bajulado e incensado pelos inteligentes de sempre.

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