São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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Do outro lado do balcão

RICARDO BERZOINI

Quando se fala em altas taxas de juros, poucos se lembram de quem fica do outro lado do balcão dos bancos. É ali, na fria realidade dos números, o final da linha de um drama que hoje atinge a todos -de grandes clientes, a humildes funcionários dos bancos, obrigados a conviver diariamente com o fantasma da inadimplência.
Por isso, nestas últimas semanas, nosso sindicato tem sido cada vez mais procurado por trabalhadores da categoria dos bancários alarmados com os atuais níveis das taxas de juros.
Não bastassem seus problemas pessoais em meio à luta pela sobrevivência, nossos colegas bancários são obrigados a conviver com a desgastante rotina de, ao fornecer os extratos aos devedores, escutar os protestos raivosos dos clientes, sem condições de atender aos indignados pedidos de socorro feitos por pais de família ou pequenos empresários, que acreditaram na estabilidade econômica e se endividaram. Os devedores estão sendo esmagados por estas taxas de juros irresponsáveis ou ``escorchantes", como bem definiu ainda outro dia o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso.
Para se ter uma idéia do tamanho do buraco, basta dizer que, só na cidade de São Paulo, são 850.397 os clientes inadimplentes em cinco meses do novo governo. De abril do ano passado, na fase pré-Real, para abril de 1995, o número de cheques sem fundos cresceu 259% em volume.
Muitas vezes, são cheques de clientes antigos, velhos conhecidos de quem trabalha do outro lado do balcão e que estão vendo o esforço de toda uma vida ir pelo ralo levado por uma dívida simplesmente impagável.
Num país que discute para o mês que vem a desindexação dos salários, como é possível conviver com taxas de juros dos cheques especiais que já bateram nos 15% ao mês? Para um sindicato corporativista, até que não seria nada mal: quanto maiores os juros, afinal, maiores as margens de lucro dos banqueiros e, portanto, maior seria a capacidade de negociação do sindicato. O silêncio talvez fosse o melhor caminho, segundo os velhos manuais do corporativismo, em que cada parte só defende os seus interesses e o conjunto da sociedade sofre as consequências, como já vimos tantas vezes em nosso país.
Acontece que, antes de sermos bancários, somos todos cidadãos, ao mesmo tempo agentes e vítimas dos destinos nacionais. Se é verdade que o sindicato deve, em primeiro lugar, lutar pelos interesses da categoria, não é menos verdade que nós, bancários, somos também produtores, consumidores e, acima de tudo, cidadãos que sofrem os mesmos problemas dos nossos clientes. A maior parte dos nossos colegas também entrou no cheque especial e não são poucos os que estão desesperados e ameaçados de perder seus empregos por não poder saldar a dívida com o banco onde trabalham.
Só nos últimos dois meses, os jornais registraram que oito colegas nossos foram levados ao gesto extremo do suicídio por não terem condições de saldar seus compromissos. Ainda no último final de semana, os mesmos jornais que chamam de ``marajás" nossos companheiros dos bancos estatais, divulgaram um dado alarmante: no Banespa, o endividamento dos funcionários que entraram nos cheques especiais já corresponde à metade da folha de pagamentos.
O país precisa se conscientizar que uma retomada articulada e consistente dos investimentos exige o financiamento público. Alavancar investimentos em infra-estrutura, que o próprio programa de governo de FHC estima em R$ 100 bilhões, exige a reorganização dos bancos públicos. BNDES, Banco do Brasil, CEF e os bancos estaduais precisam ser reestruturados, democratizados e orientados para o crédito social e produtivo. Neste sentido, urge que o país mude a agenda de debates e discuta uma estratégia de investimento e financiamento da produção, incluindo propostas de tributação do consumo de luxo para constituir um novo Fundo de Desenvolvimento.
Os bancários querem participar deste debate, começando pela retomada da proposta de criação de uma câmara setorial do sistema financeiro, envolvendo a Fenaban, o governo e os trabalhadores. A Confederação Nacional dos Bancários chegou a discutir esta proposta com Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, em setembro de 1993, com o objetivo de promover um amplo debate sobre a reforma do sistema financeiro. Da mesma forma, estamos empenhados em reativar a comissão formada no Congresso Nacional para tratar da regulamentação do Artigo 192 da Constituição Federal, que trata exatamente desta questão.
Nós, bancários, continuaremos lutando por melhores salários -que, por sinal, são miseravelmente baixos frente às espetaculares margens de lucro dos bancos. Mas não trocaremos aumento nos salários pelo silêncio diante da situação econômica do país. Ao lutar pela redução imediata das taxas de juros, estamos dispostos a contribuir para viabilizar uma nova política econômica, que respeite os clientes dos bancos e reconstitua as condições de desenvolvimento com distribuição de renda, riqueza e poder. Os interesses gerais da sociedade devem estar combinados às reivindicações setoriais no momento em que o que está em jogo é o resgate da cidadania, a estabilidade econômica com distribuição de renda e a consolidação da democracia em nosso país.

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