São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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Novo filme serve água com açúcar no inferno

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Foram necessários três filmes e uma mudança de diretor, mas, por fim, Batman tornou-se uma franquia. Como o McDonald's, como a Pizza Hut, a fórmula dos quadrinhos sem impôs ao cinema.
O Batman de "Batman Eternamente" já não é mais o habitante de um pesadelo, como em "Batman" (1989) e, sobretudo, "Batman, o Retorno" (1992). Gotham City já não é um organismo vivo e crítico, como nos filmes anteriores de Tim Burton. Nada disso: Batman agora é um "Duro de Matar" na escuridão; Gotham City é só um cenário anódino.
Nesse sentido, "Batman Eternamente" é uma vitória do cinema de entretenimento. Isto é, aquele que esvazia o espectador de qualquer preocupação e se escora nos efeitos especiais para animar as mirabolantes ações.
Assim como o McDonald's -que serve os mesmos sanduíches, o mesmo paladar, no Brasil ou no Afeganistão- o novo "Batman" também é uma franquia honesta. Tanto mais que o roteiro tem elementos fortes. Começa por Batman, que é um personagem duplo (o bilionário Bruce Wayne e o homem-morcego). Passa por seus inimigos, Harvey Duas Caras (o nome já diz tudo) e Charada.
Termina com a mocinha Chase, terapeuta de casos de dupla personalidade, e Robin, que retorna como herói coadjuvante e acrobata cuja família foi dizimada por Duas Caras (algo semelhante ao que aconteceu com o próprio Batman).
Essas duplicações -fantasmas infernais que irrompem na tela- são cuidadas como filhos pelo diretor Joel Schumacher, para que em nenhum momento o espectador se sinta invadido por eles.
A preocupação central do novo "Batman" é evitar qualquer contaminação com os exemplares anteriores. Com isso, os fantasmas ficam meio jogados às traças, como um Gasparzinho da vida.
Em troca, o pau come o tempo todo. Mas a esse ``espírito de seriado" falta a alma e a verdade dos velhos "Flash Gordon", digamos, que ao menos estavam em sintonia com a maneira como os anos 30 se viam (tecnologia, lutas pelo controle do mundo etc.).
Ora, o que "Batman Eternamente" oferece é um simulacro desse tipo de ideal. Charada, que é, de longe, o personagem mais atual e interessante deste filme, bola uma máquina apta a sugar a inteligência de cérebros alheios.
Existe aí uma óbvia menção aos conglomerados de comunicação e ao seu poder descontrolado de moldar cérebros. Mas tudo isso é posto em surdina. O invento diabólico, assim como a ira demente de Duas Caras ou a morbidez de Batman, servem de fundo para a ação, assim como a imagem é o fundo do fundo musical.
"Batman Eternamente" é a vitória de Charada: um água-com-açúcar no inferno. Mas, por isso mesmo, vai emplacar.

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