São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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"Esquerda burra"

É, parece que o mundo perdeu o seu sentido de orientação. O presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre tido como um homem ligado à esquerda, descerrou uma complexa polêmica ao chamar a esquerda de burra.
Mas o que é esquerda? O que é direita? Os termos surgiram na França durante as movimentações que precederam a Revolução de 1789. O rei Luís 16, acuado por uma série de circunstâncias políticas e econômicas e também pela impopularidade de sua mulher, a austríaca Maria Antonieta, viu-se obrigado a convocar a Assembléia Nacional, um órgão para aconselhar o soberano que não se reunia havia mais de um século.
A assembléia era constituída por três Estados: clérigos, nobres e o restante da população. Os dois primeiros Estados, que procuravam manter seus privilégios, sentavam-se à direita do presidente da assembléia. O terceiro, à esquerda.
A partir daí, não sem um certo preconceito de origem -o direito é o certo; o esquerdo é o constrangedor, sinistro-, convencionou-se chamar de ``de direita" os movimentos que visam à preservação do ``status quo". ``Esquerda" passou a designar os grupos que buscavam mudanças no sentido de criar uma sociedade mais igualitária.
O tempo passou e o mundo mudou. Os parlamentares brasileiros não definem suas cadeiras de acordo com suas preferências políticas, e a queda do Muro de Berlim deixou os partidos que tradicionalmente se chamavam de esquerda sem um rumo definido.
As mudanças foram tão profundas que, num irônico paradoxo histórico, a esquerda brasileira luta hoje pela manutenção do ``status quo" -se se considerar que é a Constituição que o estabelece- e a direita pretende modificá-lo.
É claro que é preciso acompanhar as mudanças que se deram desde o remoto ano de 1788 até hoje. A experiência do socialismo real mostrou-se um fracasso; a própria Revolução Francesa rapidamente degenerou numa ditadura para depois tornar-se império, experimentar a Restauração, um segundo império até que, enfim, a República retornasse.
FHC tem razão ao querer eliminar da Constituição alguns entraves ao desenvolvimento do país. Infelizmente, porém, a Carta, por si só, está muito longe de estabelecer o ``status quo". Por mais extemporâneas que sejam algumas das propostas da esquerda tradicional, há de se convir que seus ideais de construção de uma sociedade mais justa permanecem válidos e, ao que parece, são sinceros -embora não saiba exatamente como fazê-lo.
Já considerar o PFL inteligente -um partido que está no poder há 30 ou 500 anos, dependendo dos critérios utilizados- denota uma acepção bastante curiosa de inteligência, considerando-se a penúria econômica e social em que se encontra o país.

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