São Paulo, quinta-feira, 6 de julho de 1995
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Sócios, pero

CLÓVIS ROSSI

BUENOS AIRES - Pode ser falta de educação, admito, mas também pode ser instrutivo ficar ouvindo a conversa descontraída de terceiras pessoas. Revela muito sobre o que de fato pensam quando não estão obrigadas a ser agradáveis.
Caso típico do almoço de ontem no restaurante do Hotel Claridge, no centro de Buenos Aires. À mesa ao lado da minha, estavam dois argentinos, que creio conhecer de vista, embora não saiba os nomes.
São, com certeza, do mundo publicitário, a julgar pelo início da conversa, ao qual só prestei alguma atenção enquanto falavam das verbas e índice de audiência de diferentes canais e programas de TV argentinos. Sempre é bom estar informado a respeito.
Mas me liguei mesmo quando começaram a falar do Brasil e dos brasileiros ou, mais exatamente, das dificuldades de fazer negócios com os vizinhos. Foi uma catarata de críticas. ``Falsos" foi a palavra mais frequentemente empregada.
``Não dá para pôr um `mango' nos negócios com eles", chegou a dizer um deles, usando uma gíria que me parece dispensável traduzir, de tão óbvia.
O outro preferiu uma análise mais, digamos, sociológica. Apontou inúmeras diferenças entre argentinos e brasileiros, ``de idiossincrasia", de características ``culturais e socioeconômicas" e assim por diante.
O que fazia esta análise tem experiência mais prolongada com o Brasil. Contou ter feito a campanha de lançamento na Argentina da marca Cica.
O outro queixou-se da Amil brasileira, empresa que, segundo ele, fatura US$ 800 milhões anuais e estaria querendo tornar-se hegemônica no mercado argentino de tíquete-refeição por meio da ``Eat", a ela associada.
Depois do almoço vim a saber que a desconfiança é recíproca. O curioso é que os homens de negócio dos dois lados da fronteira estão condenados a conviver, dada a crescente integração de suas economias no tal de Mercosul (que ainda inclui Paraguai e Uruguai). O mal-educado flagrante do almoço revela que vão conviver com um sorriso nos lábios e um punhal escondido na manga do paletó.

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