São Paulo, sábado, 8 de julho de 1995
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'Vida Privada' une novela aos palavrões

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Como um dia aconteceu com o teatro de revista e o rádio, o teatro carioca tornou-se um apêndice da indústria da televisão. A telenovela ergueu-se sobre autores, diretores e intérpretes de teatro, o qual por sua vez passou a chamar autores, diretores e sobretudo intérpretes de televisão para sustentar bilheteria, em círculo vicioso.
A telenovela, que não se trata de arte, é sempre bom lembrar, mas de indústria, contaminou e banalizou dramaturgia, cenografia, interpretação. Agora ressurge e se amplia a indústria da televisão também em São Paulo, e o teatro vai no mesmo caminho. Autores, diretores, intérpretes deixam o palco, deixam companhias que antes batiam no peito, com orgulho, contra a indústria da novela.
No círculo vicioso que se instala, os protagonistas do teatro vêm agora da televisão; a platéia paga como pagaria por algum baile de debutantes; as situações no palco não passam da sala de estar, como em alguma cena de estúdio de televisão, sempre um espelho da sala de estar de onde a família assiste a sua ração diária de telenovela. ``Alô? Madame...", ``Capital Estrangeiro", ``Batom", as exceções são raras. ``Vida Privada", com Antônio Fagundes e Mara Carvalho, não é exceção.
A peça transfere a situação para o banheiro, mas apenas artificialmente. Continuam lá a poltrona de couro, o barzinho de bebidas, a jacuzzi em vez do sofá. Também a nudez, com um inacreditável tapa-sexo, um tapa-sexo no palco!, também os palavrões, as grosserias, que são o diferencial maior em relação à concorrência do capítulo do dia, na televisão.
A situação, nem poderia ser de outro jeito, é clichê, um casal que fala das suas traições e ameaça separar-se e volta, e ameaça e volta; o diálogo é óbvio e chão, com lugares-comuns sobre as diferenças cotidianas do casal e acumulando-se em intermináveis detalhes do gênero menstruação, urina e fezes; as piadas, último recurso na falta dos demais todos, surgem contadas como em algum show menor de algum humorista.
Não há peça, não há dramaturgia, mas piadas emprestadas e frases banais, usadas aparentemente para encher o tempo, do gênero ``a cabeça de baixo não pensa". As cenas, os quadros são inflados, não havendo relação de causa e efeito. Um pesadelo de perda de tempo e grosserias, um pesadelo que a peça procura contornar mais para o final, quando as grosserias desaparecem e se passa à discussão familiar sobre ter ou não ter filhos. Mais clichês, que não cabe citar para não entediar.
Mara Carvalho, autora e atriz, não é uma comediante e faz o que pode, com uma interpretação dirigida para a histeria e o besteirol, um gênero de atuação que não casa com a comédia de costumes buscada por seu próprio texto. Antônio Fagundes, um comediante com certeza, espreme ao limite a empatia com a público de novela, que ri por qualquer coisa, fascinado. Extasiado, diante do ator da novela falando palavrões.

Título: Vida Privada
Quando: Quinta e sexta às 21h, sábado às 20h, domingo às 19h
Onde: Teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, tel. 011/883-4475)
Quanto: R$ 25,00

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