São Paulo, sábado, 8 de julho de 1995
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Querem abandonar os trabalhadores

VICENTE PAULO DA SILVA

As medidas de desindexação da economia e de implantação da livre negociação, como estão, têm como objetivo primeiro abandonar os trabalhadores, arrochando os salários sob o pretexto de conter a inflação e, com isso, fragilizar a unidade sindical, a ponto de, na prática, impedir as negociações, especialmente dos sindicatos com menor poder de fogo.
Com relação aos salários, o que o governo está fazendo é jogar, como sempre, a conta no bolso dos trabalhadores. Na verdade, o problema central do Plano Real são a defasagem cambial e os seguidos déficits externos que vêm se acumulando. Todos os agentes cada vez mais apostam e especulam na desvalorização do real -evidenciando, aliás, a desastrosa maquiagem da valorização do real que segurou a inflação desde o início e nos colocou na trilha do México. Essa desvalorização provavelmente teria impactos inflacionários, com remarcações em preços e contratos.
Para obter margem o governo investe no desaquecimento econômico e no arrocho dos salários. Imagina que num ambiente recessivo há menos espaço para remarcações e para elevações salariais. De outro lado, a compressão dos salários ajuda no desaquecimento.
Em resumo, trata-se de ampliar a exclusão, o desemprego, a perda de poder aquisitivo e a concentração de renda para resolver o problema cambial sem contrariar nenhum capitalista, seja empresário, seja especulador, sejam os que, lá de fora, sugam nossa riqueza. Todos os demais contratos continuam indexados ou gozando de total liberdade, como as mensalidades escolares e os planos de saúde. Preços sobem (por exemplo, os reajustes de aluguéis chegam a ser criminosos).
No mercado financeiro, onde parecem vigorar uma Constituição e uma política econômica próprias, permanecem os generosos índices de correção, e o governo não dá nem um pio. Os preços, como sempre, terão à disposição vários índices de remarcações. E as taxas de juros estão tão altas que destroem consumidores e empresas.
Além de combater essa opção mal disfarçada do governo, é preciso esclarecer que a indexação existe, formal ou informalmente, em todas as economias -ela é a maneira de se manter o valor real dos preços, contratos e remunerações frente à ocorrência de inflação.
Quanto maior for a inflação, mais frequente e mais oficial se torna a indexação. Ou seja, é o contrário do que diz o governo, que afirma que onde há indexação haverá inflação. É como dizer que adoçante engorda porque todos que o tomam são gordos. O fim do índice não acaba com a inflação.
Não somos partidários da indexação por si só. Queremos, na verdade, o fim da inflação. Achamos, contudo, que não é possível deixar os salários sem qualquer proteção numa inflação de 35% ao ano -mais, proibir que tenham aumento real. Ou congelar o salário mínimo em R$ 100 por um ano.
Por isso, apresentamos uma proposta flexível de política salarial, com correções anuais, semestrais, trimestrais ou mensais segundo o patamar médio da inflação. Ou seja, muda-se a indexação conforme se controla a inflação. O governo prefere a medida provisória unilateral a discutir abertamente essas alternativas. É o caminho mais fácil para o desastre econômico.
Se, de fato, o crescimento é para todos, os salários são investimentos com grandes e imediatos retornos.

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