São Paulo, sábado, 8 de julho de 1995
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De fracassos e psicologia

CLÓVIS ROSSI

Detesto bancar psicólogo amador, mas faz algum tempo que me pergunto a razão pela qual o presidente Fernando Henrique Cardoso escolheu a esquerda, em geral, como inimigo principal, só para usar jargão da velha esquerda, dos tempos em que era fácil identificar o inimigo principal.
Uma resposta óbvia, mas talvez simplista demais, é a de que a esquerda é a única oposição ao seu governo, dado que o centro e a direita aderiram (como, aliás, o fizeram em relação a todos os governos mais recentes).
Como não é prudente criticar os aliados, o presidente teria mesmo que atacar os adversários.
Mas a insistência e reiteração dos ataques são desproporcionais aos problemas que a esquerda tem criado ao governo nesses seis meses e uma semana de gestão. Deve haver aí alguma razão de fundo menos político e mais psicológico.
Idêntico raciocínio vale para a insistência no neologismo ``fracassomania" e seus derivados, que o presidente voltou a usar ontem, agora em castelhano, em discurso feito para uma platéia de empresários e banqueiros em Buenos Aires.
Parece incomodar muito ao presidente o fato de que alguém preveja o fracasso de qualquer um de seus planos, intenções, propostas etc. É claro que ninguém gosta de ter alguém olhando por sobre o ombro e sussurrando: ``Não vai dar certo".
Mas esse comportamento, em circunstâncias normais, é respondido com o tempo e os fatos. De alguma maneira, FHC repete os que critica. Parece estar dizendo o tempo todo ``não vai dar certo" aos que dizem que ele é que ``não vai dar certo".
Parece superstição. Ainda mais em se considerando que FHC, presidente ou ministro, pode ser chamado de tudo o que quiserem, menos de fracassado. Derrubou a inflação, ganhou a eleição já no primeiro turno e ainda manteve o real estabilizado até agora. Pode-se e deve-se pedir muito mais, mas não dá para considerá-lo um fracassado.
Vitoriosos quase sempre são mais olímpicos em relação aos arautos do desastre, a não ser quando a crítica bate em alguma zona menos nobre do corpo.

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