São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Onde estamos e para onde vamos

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

Estamos outra vez na armadilha de juros, câmbio e balanço de pagamentos. E uma vez mais vamos ao arrocho salarial e à política fiscal ``dura", para combater uma inflação que em julho chegará perto dos 40% ao ano. No segundo semestre, precisamos fazer reformas fiscal, administrativa, da Previdência e do sistema financeiro. Parece que já ouvimos essa história antes. Por exemplo, entre 1964-67 e depois inúmeras vezes, em tantos países deste triste continente latino-americano. As únicas novidades, sócio-econômicas, são as privatizações, que vão muito lentas apesar do desejo do governo e da rapidez do Congresso, e a ``flexibilização" do mercado de trabalho.
Mas há também uma novidade política. O governo, agora, chama a oposição de ``burra" e não de ``subversiva". Espero que as coisas não piorem e me deixem morrer ``burra". Assim não terei de recorrer novamente aos ``amigos da situação" para me livrar de percalços maiores. A propósito de novidades políticas, confesso não entender muito bem porque um governo democrático detesta que lhe façam oposição, mesmo quando ela não ameaça o seu pacto de poder. Realmente, o comando do PFL é mais inteligente. Pelo menos não acha que a oposição deva aderir e até lhe reconhece, vez por outra, uma certa inteligência no diagnóstico e dignidade na luta. Enfim, coisas do ``realismo político fantástico" destas nossas elites. Passemos, porém, a matérias mais concretas.
Uma análise objetiva dos indicadores econômicos mostra que o país caminha novamente para uma situação de crise aguda, que provavelmente só ficará manifesta a partir do final do ano. Os sintomas estão todos aí: preços novamente em alta (depois e não antes da ``bolha de consumo"), parada da produção em fábricas importantes, uma entressafra agrícola ruim e provavelmente uma forte queda na produção futura. Coroando o Real, a dupla maldita das crises brasileiras: juros altos, que estouram as contas fiscais do setor público, e perspectivas sombrias no balanço de pagamentos.
Como sempre, há mais de cem anos, com raros intervalos, as autoridades econômicas deste país optam pelo endividamento externo público e privado, seja para financiar o crescimento, seja para seus múltiplos planos de estabilização. As condições de endividamento podem variar, de acordo com as características do mercado financeiro internacional, mas o resultado final é sempre o mesmo: interrupção de crescimento, encilhamento financeiro do setor público e, finalmente, crise cambial.
A crise atual vem sendo gerada, ao contrário da década de 80, pela ``abundância" e não pela escassez de capitais e créditos externos. A atração de capitais começou no governo Collor. Depois do calote da dívida interna e da segunda moratória externa, os economistas de plantão promoveram primeiro a abertura financeira e depois a comercial, na ordem inversa à que ocorreu na economia mundial. Resolveram subir a taxa de juros interna e atrair capitais externos novamente sobrantes no mundo e candidataram-se a ``mercados emergentes", apesar de que nossa inflação não estava sob controle nem tínhamos déficits comerciais e, portanto, supostamente, não éramos candidatos viáveis ``à absorção externa de recursos financeiros".
A pressa da nova equipe econômica do ministro FHC em provocar uma sobrevalorização do Real e uma brusca abertura externa foi para poder obter essa ``absorção" (estimada em 2,5% do PIB), mas, pelo visto, além de não contar com a crise do México, exagerou na dose. A ``oposição burra" cansou-se de avisar que era um erro fundamental, na passagem ao Real, permitir uma sobrevalorização nominal do câmbio e promover uma abertura comercial descontrolada.
O Real, moeda forte, valendo mais do que o dólar, foi um excelente instrumento de propaganda eleitoral. Um dos autores da sobrevalorização do câmbio assegurou ao candidato que teria um período tranquilo mesmo depois de eleito. Agora a festa acabou e é preciso pilotar a conjuntura com um olho no balanço de pagamentos e o outro nas contas fiscais. Para ambas as situações o remédio proposto já é clássico no Brasil: arrocho salarial e fiscal e minidesvalorizações do real, desta vez disfarçadas de ``banda". Enquanto isso, os juros continuam fazendo a festa e garantindo o fechamento do câmbio financeiro que, segundo o atual diretor de câmbio do Banco Central (que as férias o iluminem!), vai muito bem, obrigado.
O que não vai bem é o principal devedor do país: O Tesouro Nacional, ao qual nenhuma reforma tributária pode ajudar enquanto não mudar a política de juros altos. Esta, por sua vez, não pode mudar porque o BC, no afã de atrair e esterilizar dólares para manter as reservas, continua emitindo dívida pública e aceita uma taxa de arbitragem escandalosa entre o mercado de câmbio e o mercado financeiro (quando não vai mais além para combater o consumo).
Com recessão as coisas vão melhorar? Não. Porque, com o câmbio atrasado e os juros altos, é mais barato comprar no exterior do que produzir nacionalmente. Dado o violento efeito substituição (as importações de matérias-primas cresceram 90% contra os 10% do PIB no período janeiro/maio) e uma conjuntura internacional desfavorável, nem mesmo uma recessão forte garante o equilíbrio da balança comercial até o fim do ano. Assim, a luta entre a ``proteção econômica" da produção e o rentismo dos agentes globalizados continuará refletindo-se na equipe econômica. Enquanto isso, a operação desmonte da indústria e da agricultura prossegue a passos largos.
Todos estão de acordo, no governo, que é preciso desindexar. O que? Os salários, naturalmente. O capital e o fisco devem continuar indexados até quando Deus quiser que o milagre da estabilidade definitiva se produza. E o câmbio não deve ser objeto de uma brusca desvalorização real enquanto as contas cambiais fecharem. E se não fecharem? Ah! Então corremos o risco de virar em simultâneo México e Argentina. Isso é o que acha a oposição ``burra". Mas, como Deus é brasileiro e a paciência do povo infinita, os nossos empresários são espertos e a elite política é inteligente, poderemos talvez festejar um novo fim-de-ano feliz em Miami ou na praia de Copacabana.
No final deste ano deveremos finalmente retomar em ritmo acelerado as privatizações, supostamente para abater a dívida federal mobiliária, que já atinge hoje US$ 75 bilhões. Não sabemos quanto será no fim-de-ano, mas não devemos esquecer, além dos juros, US$ 11 bilhões de amortização da dívida externa. Haja privatizações!
Finalmente, um aviso aos economistas desavisados: o Plano Real trouxe um alívio inequívoco às populações pobres, que estavam mergulhadas no inferno da inflação altíssima, mas não trouxe uma melhoria na distribuição da renda. Os de baixo apenas ganharam, como sempre (exceto no Cruzado), uma parcela do chamado imposto inflacionário. Este foi estimado, no máximo, em R$ 17 bilhões, incluindo todos os detentores de moeda não-indexada. Convém lembrar, no entanto, que 20% da população, além de possuir moeda indexada, traz no bolso mais dinheiro durante um mês do que o salário mínimo dos pobres. E aonde foram parar os US$ 30 bilhões de juros das dívidas públicas mobiliárias pagos no último ano? Naturalmente, o capital levou o grosso, a classe média levou a sua parte e perderam as contas públicas, mantendo o arrocho fiscal sobre a saúde, a educação, a segurança. Vale dizer, pagaram o povão e a baixa classe média, que continuam esperando as políticas sociais.
A confusão dos economistas entre aumento do consumo (sobretudo dos rentistas) e distribuição de rendas só é explicável porque a desigualdade já é um hábito arraigado, que faz parte da ``cultura" das elites deste país. Mudam-se os tempos, mas não mudam as vontades. Pela ordem: primeiro estabilizar, depois crescer, depois distribuir! Nada como ter uma elite de poder inteligente!

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