São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Secos e molhados

OSIRIS LOPES FILHO

Há uma gíria popular, na minha terra natal, Cachoeiro de Itapemirim, de que quando algo é desejado com intensidade, se empenhando esforço concentrado nisso, diz-se que a pessoa está seca por tal objetivo.
O ministro da Secretaria de Administração e Reforma do Estado está seco na derrubada da estabilidade do servidor público. Não de todos, pois o seu nível de ousadia e pirotecnia não alcançou ainda os limites da insanidade. Assim, militares, fiscais, magistrados, procuradores, diplomatas, policiais, os que compõem as chamadas carreiras típicas do Estado, ficam de fora da poda.
O modelo segue a linha básica do liberalismo, embora se deva reconhecer que a atualidade dessa concepção é contemporânea do Estado Liberal, existente no século passado.
Já se enfatizou com bastante frequência que, no Estado Constitucional de Direito, a estabilidade do servidor público é uma garantia democrática a proteger o próprio conceito de prestação de serviço público, evitando que a administração pública sirva a interesses políticos menores, que eventualmente estejam empolgando o poder governamental.
Está sendo travada uma nova batalha de Itararé. A que não houve. Estão sendo dadas prioridades, na reforma da administração, a temas desprovidos de relevância como instrumento efetivo para a mudança que se faz necessária na administração pública brasileira.
Nesse processo desvirtuado que flui nos gabinetes brasilienses, o servidor público foi reeleito como bode expiatório. Repete-se o passado. As culpas das mazelas do serviço público são direcionadas para uma das vítimas do conluio entre a influência política na administração pública e a incompetência gerencial tradicional.
O servidor público está à mercê das intempéries. Desprotegido, na chuva. Molhado até os ossos no artificialismo oficial de caça às bruxas em que o milagre do Real se metamorfoseia, por vezes, em culto diabólico, a propiciar exorcismos postiços ministrados por quem se confessou ateu.
Até o advento do chamado regime único, instituído pela lei nº 8.112/90, cerca de 90% dos servidores públicos estavam submetidos à disciplinação trabalhista. E não se tem notícia que tivesse ocorrido nenhuma depuração dos incompetentes, desidiosos e faltosos, justamente porque esses, na sua maioria, não ingressaram no serviço público por concurso, e sim por influência política, que lhes tem garantido uma sobrevivência confortável e influente.
Que o serviço público necessita de aperfeiçoamentos ninguém duvida. Mas o caminho não deve ser o trilhado, infelizmente com tanta constância, pela cúpula governamental, de realizar reformas, cuja consubstanciação se dá no papel, sem a profundidade de penetração no detalhe operacional.
A gigantesca máquina federal, com quase 600 mil funcionários, precisa ser direcionada a servir efetivamente ao público. Essa mudança exige que se administre a organização com eficácia, realizando os diagnósticos da sua ineficiência e corrigindo cada detalhe. Não é uma tarefa fácil, nem propicia grandes manchetes de jornal, a enfatizar a genialidade da realização.
Há gente disponível no serviço público de excelente nível profissional. É preciso dar-lhe oportunidade, valorizá-la como agente de transformação.
É preciso mobilizar os servidores para uma mudança qualitativa da administração pública. Dar-lhes a função de sujeitos da ação e não simples objetos na triste paisagem burocrática e alterar a orientação da cúpula governamental. Estabelecer o diálogo construtivo para obtenção de ação conjunta.
Mas é preciso principalmente, para o atingimento desse ambiente de entendimento, que haja uma trégua na incontinência verbal de alguns componentes do governo, abandonando-se a truculência de comunicação típica de gerente de mercearia de bairro.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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