São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Cobrança de resíduo deve ser decidida pela Justiça

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

O governo tomou todas as precauções para que, desta vez, mais uma medida provisória que mexe com contratos privados não fosse alvo de contestação judicial. Não conseguiu. A cobrança de resíduos em contratos de reajuste anual movimenta escritórios de advocacia.
A nova MP, nº 1.053, é clara sobre a proibição dessa cobrança -exceto nas obrigações contraídas em cruzeiros reais até 15/3/94, não-convertidas em URV e que passaram direto para reais.
O artigo 2º admite reajuste anual por índices de preços, desde que o contrato tenha pelo menos 12 meses. Mas o parágrafo 3º diz serem nulos ``quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual".
A cobrança de resíduos ou diferenças mensais de forma retroativa enquadra-se exatamente aí.
Você faz um contrato para pagar R$ 500 mensais durante um ano por um índice de preços como o IGP, por exemplo.
Passados 12 meses, o IGP variou 30% e a prestação sobe para R$ 650. Com a 13ª mensalidade reajustada vem junto, porém, uma fatura extra de R$ 786, na hipótese de taxa média mensal de 2,21%.
Este valor é a soma das diferenças da aplicação do IGP sobre a prestação de R$ 500. No 13º mês, em vez de pagar só R$ 650, o devedor é cobrado em R$ 1.436.

Imbróglio jurídico
A cobrança desse resíduo após 12 meses foi prática comum no primeiro ano do Real, em contratos para venda direta de imóveis e até mesmo aluguel comercial.
Em alguns casos, o devedor se dispôs, em contrato, a quitar mensalmente as diferenças.
Advogados de construtoras admitem que, a partir da MP 1.053, isso não é mesmo mais possível.
Mas eles argumentam que a MP do Real, de julho de 94, estipulou apenas que a periodicidade da aplicação da correção seria anual. Não veda a cobrança de resíduos.
Sobre contratos em URV, dizem que a lei 8.880/94 fala em ``suspensão" por um ano da cláusula de reajuste.
O advogado Biasi Ruggiero, especialista em direito imobiliário, discorda. ``Não faz sentido proibir reajuste mensal e cobrar tudo depois de 12 meses", diz ele, lembrando que não se pode abandonar o princípio da razoabilidade.
Para ele, admitir a cobrança de diferenças de forma retroativa é aceitar um logro. ``Você interpreta a lei de uma tal maneira que a revoga", explica Ruggiero.
O advogado Carmine Abbondati tem a mesma opinião. Ele concorda que o uso da expressão ``suspensa" na lei da URV foi infeliz, mas ela não aparece na MP do Real e ``a lei nova revoga a antiga no que esta dispõe em contrário".
Diante desse imbróglio, a saída judicial para quem está sendo cobrado pelos resíduos é depositar o valor que julga correto em um banco oficial, em nome do credor, e comunicá-lo do pagamento.
Se o credor não se manifestar em dez dias, o devedor considera o valor recebido. Caso o credor se recuse a receber, o prazo é de 30 dias para se entrar com uma ação consignatória na Justiça, que dará a palavra final.

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