São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Na guerra fiscal, quem perde é o Brasil

EMERSON KAPAZ

À revelia da população, trava-se uma guerra escondida no Brasil. É a guerra fiscal, na qual alguns Estados concedem incentivos fiscais paradisíacos a fim de atrair a instalação de novas empresas. Essas empresas evidentemente se beneficiam da guerra. Lamentavelmente, quem perde é o Brasil.
A guerra fiscal começa quando uma determinada empresa anuncia que procura um Estado para se instalar. Ocorre que alguns Estados não têm a oferecer vantagens como as existentes em São Paulo: uma infra-estrutura rodoferroviária eficiente, portos e aeroportos vocacionados à importação e exportação, pólos avançados de geração de ciência, tecnologia com a formação de recursos humanos qualificados e assim por diante.
Que fazem então esses Estados? Oferecem, por exemplo, que a empresa deixe de pagar 75% do ICMS durante cinco anos, para recolher essa parcela no prazo de cinco a dez anos, sem correção monetária. Na prática, trata-se de uma isenção fiscal que corrói justamente a maior fonte de arrecadação do Estado.
Sem ICMS, qualquer Estado tende a se inviabilizar financeiramente, ficando sem condições de prover a infra-estrutura necessária para viabilizar a atividade dessas empresas.
Pior do que isso: inviabilizado financeiramente, nenhum Estado tem condições de proporcionar saúde, educação, segurança, habitação popular, infra-estrutura de saneamento básico e transporte à sua população.
Por isso é que na guerra fiscal quem perde é o Brasil.
Justamente para não comprometer seus deveres e compromissos sociais, o governo do Estado de São Paulo recusa-se a entrar na guerra fiscal. E, pergunto aos empresários: o que ocorreria se entrasse?
Em primeiro lugar, o ``leilão" de isenções se acirraria até que algum Estado oferecesse, por exemplo, 95% de isenção do ICMS. Esses empresários em sã consciência instalariam suas indústrias num Estado que fizesse isso?
Em segundo lugar, se entrasse na guerra fiscal, o Estado de São Paulo estaria infringindo os artigos 150 e 155 da Constituição, que regulamentam a concessão de isenções, e a legislação do Confaz, que não admite redução de ICMS abaixo de um certo limite.
Em terceiro lugar, se o Estado de São Paulo concedesse esse tipo de redução de ICMS, criaria uma concorrência desleal para com as empresas aqui já instaladas.
Aliás, no caso das isenções fiscais que alguns Estados vêm concedendo, o Confaz (Conselho de Administração Fazendária) não se manifestou. Esse incômodo silêncio pode transformar o órgão em um ``Confaz-de-conta", colocando em xeque a própria existência do conselho.
Justamente por se recusar a entrar na guerra fiscal e com isso diminuir suas vantagens comparativas, o Estado de São Paulo recebeu, no primeiro semestre deste ano, a confirmação de investimentos de empresas que totalizarão US$ 4 bilhões nos próximos dois anos. Entre essas empresas, figuram a General Motors, Procter & Gamble, Wall Mart, Latasa, Compaq, Rhodia, Mercedes Benz e Philips. E muitas outras estão por fechar compromissos semelhantes nas próximas semanas.
Agora falando em termos de Brasil, a globalização nos coloca um desafio comum que precisaremos superar somando e não dividindo os esforços dos Estados.
Trata-se de aproveitar a oportunidade representada pela intenção de um sem-número de empresas de se instalar no expressivo mercado brasileiro. Para tanto, precisamos, todos, aperfeiçoar nossa infra-estrutura de transportes, educacional e tecnológica, para adequá-la às exigências de competitividade sistêmica que as empresas colocam como pré-condição para vir ao Brasil ou ampliar os investimentos já feitos no país.
Portanto, urge abandonar a guerra fiscal e retomar o desafio de construir uma política de desenvolvimento atrelada a uma política industrial que leve em conta as vocações e os potenciais das respectivas regiões do país.
Vale salientar que será impossível viabilizar a política industrial com o atual patamar elevado de juros e num quadro de defasagem cambial crescente. É impossível imaginar uma política industrial sem uma política de incentivos a juros baixos que viabilize alianças estratégicas entre empresas nacionais e internacionais.
Evidentemente, para vencer esse desafio precisamos promover um novo pacto federativo que inclua a reforma tributária, com uma redefinição das fontes de arrecadação e distribuição entre União, Estados e Municípios visando à descentralização de responsabilidades. E também será preciso definir uma política de incentivos que sejam direcionados com maior eficácia, potencializem as vocações das diversas regiões e propiciem a descentralização do desenvolvimento.
O grande momento para ingressarmos na etapa histórica de um novo pacto federativo está muito mais próximo do que algumas lideranças regionais imaginam. O ingresso de novos capitais será suficiente para o desenvolvimento auto-sustentado se soubermos superar esses desafios. É dever das lideranças estaduais responsáveis estancar desde já a guerra fiscal.

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