São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Reengenharia pode provocar `anorexia'

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Desde o final dos anos 20 já não se sabe ao certo o que é, como funciona ou evolui uma empresa. A cada moda, guru ou tendência seguem-se outras tantas frustrações, redescobertas e críticos.
A moda da reengenharia é mais uma que está chegando ao fim, tão melancolicamente quanto a ``administração participativa", a ``qualidade total" ou a ``revolução da informática". Não que essas várias ondas tenham simplesmente falhado ou estejam completamente superadas. Há um processo de aprendizado contínuo (que faz a felicidade das editoras voltadas à ``auto-ajuda" empresarial).
Mas o lado sombrio, frustrante ou equivocado das várias ``teorias" da firma geralmente recebe bem menos atenção. Afinal, parece sempre muito mais urgente estar atento à nova moda do que aprender com os erros e percalços daquela que vem de cair em desgraça.
É, portanto, bastante auspicioso que o ``Wall Street Journal" tenha estampado numa primeira página, na semana passada, uma reportagem sobre os casos de ``anorexia" que estão vitimando grandes empresas que entraram de corpo e alma nos processos de reengenharia, ``downsizing", terceirização e quetais. Na malhação para conseguirem um corpinho mais enxuto, essas empresas perderam a alma.
O enxugamento tem um atrativo imediato e fácil de ser explicado ao executivo apressado: corte de custos. Nos anos 80, principalmente, as teses de ``flexibilização" dos mercados de trabalho encheram prateleiras.
A chamada revolução da informática também desempenhou seu papel na construção do mito de que as empresas modernas precisariam cada vez menos de trabalho e cada vez mais de capital. Todas as rotinas seriam substituídas por máquinas. Surgiriam os escritórios virtuais. As técnicas de minimização de estoques e robotização de linhas produção favoreceriam a terceirização.
Aconteceu um pouco de tudo isso, mas os resultados em termos de eficiência, às vezes bastante evidentes e imediatos, impediram que os administradores percebessem o efeito colateral perverso: a perda de dinamismo, especialmente a erosão da capacidade de inovar em produtos, processos e tecnologias em várias empresas.
A metáfora da ``anorexia" cabe perfeitamente. Como nos casos de obsessão por dietas para emagrecimento, pode ter início um processo doentio de perda de apetite. Em muitos casos, a falta de apetite é fatal: a empresa, como o indivíduo, fica tão enxuta que se torna incapaz de reproduzir-se, quanto mais crescer ou ter disposição para incorporar novos talentos.
No chão da fábrica ou nos corredores da grande corporação, a reengenharia pode ter ainda o efeito colateral de aterrorizar os trabalhadores, gerentes e diretores. Estarão todos com medo de errar demais, ou inventar demais. O organismo empresarial vai, assim, perdendo tônus muscular.
O limiar fatal da reengenharia é o enxugamento chegar a tal ponto que o próprio empresário simplesmente perde a capacidade de assumir riscos. E seja qual for o modelo de capitalismo ou pós-capitalismo em questão, simplesmente não há vida onde não há apostas de alto risco e apetite por inovação.

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