São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Menem enfrenta agora desafio social

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Ao tomar posse pela primeira vez como presidente da Argentina, em julho de 1989, Carlos Saúl Menem fez um discurso bíblico.
Exortou, três vezes seguidas: ``Argentina, levantáte y anda", como Cristo ordenara a Lázaro.
Deu certo. A Argentina levantou-se da funda prostração a que lhe haviam conduzido duas crises da hiperinflação (a mais recente no mesmo ano da primeira posse) e um prolongado período de declínio econômico.
Certamente por isso, é também de fundo bíblico uma das melhores piadas que se conta sobre o recém-reeleito presidente argentino.
Diz que Menem chamou um grupo de arquitetos para encomendar o mausoléu no qual seria enterrado.
O primeiro apresentou uma réplica perfeita de uma tumba de faraó egípcio. Menem recusou por ser excessivamente ostentatória.
O segundo arquiteto veio com uma cópia do cemitério nacional de Arlington (em Washington, EUA), em que são enterrados os heróis norte-americanos. Menem recusou a idéia por ser excessivamente simples.
O terceiro trouxe a cópia exata do Santo Sepulcro em que Jesus Cristo ficou nos três dias entre a morte e a ressurreição.
Menem gostou mas o arquiteto avisou que era muito caro. ``Quanto?", quis saber o presidente. ``US$ 50 mil por dia", respondeu o arquiteto. ``Está bem, afinal serão apenas três dias", devolveu Menem.
A Argentina ficou de pé bem mais do que três dias. Exatamente três anos e sete meses, entre abril de 1991, data do plano de estabilização que derrubou a inflação, e 20 de dezembro de 1994, quando explodiu a crise mexicana.
Daí em diante, passou a cambalear sob o chamado ``efeito tequila", os estilhaços de uma crise que tornou malditos os países que, como o México, ancoraram sua estabilização econômica no câmbio.
Ainda assim, Menem, 65, obteve um segundo mandato em maio, quando a Argentina revelou-se partida exatamente ao meio.
Metade dos eleitores votou no presidente da estabilização econômica. A outra metade do eleitorado votou nos demais candidatos, em branco ou nulo.
Reflexo dessa divisão é a avaliação absolutamente inconciliável que se faz da situação do país no momento em que Menem toma posse pela segunda vez, o que ocorreu ontem.
``O programa econômico fracassou e está esgotado", afirma Adalberto Rodríguez Giavarini, economista e deputado opositor.
``O rumo econômico do governo é inegociável. Não haverá desvalorização (do peso) e se continuará, em todos os seus alcances, com o plano de convertibilidade", diz Menem em alusão à lei que fixou a paridade US$ 1 igual a 1 peso desde abril de 1991.
A maioria dos analistas independentes fica no meio do caminho entre frases tão definitivas.
Acha que, este ano, de fato, o governo consegue fechar as contas e, portanto, manter o programa econômico.
Mas, para isso, conta com dois fatores que talvez não se repitam no ano seguinte.
Um é o crédito externo (US$ 8 bilhões), concedido para evitar que o ``efeito tequila" tornasse a matar o Lázaro em forma de país.
O outro é a entrada de US$ 2,4 bilhões em novas privatizações, que são as da hidrelétricas de Salto Grande e Yaciretá, e participações acionárias do Estado em petroquímicas.
São as últimas jóias disponíveis de um outrora volumoso colar de estatais.
No ano que vem, portanto, o governo terá que ou aumentar os impostos ou reduzir os gastos, para manter as contas sob controle, essência da estabilização.
É viável fazê-lo em meio a um cenário de desaceleração da economia, que, pelas contas otimistas do governo, crescerá este ano apenas 3% contra mais do dobro em 94 (7%)?
Ou, pior ainda, em meio a uma recessão como a prevista pela ONU (Organização das Nações Unidas), que imagina crescimento zero para a Argentina?
Pior: Menem, logo que as urnas confirmaram sua vitória, prometeu assentar todos os canhões contra o desemprego, que atingiu o recorde histórico de 14% da força de trabalho entre os argentinos.
Se o desemprego já dobrou no período Menem, apesar de todo o crescimento econômico, a situação social na Argentina só tende a se agravar com a economia parando ou quase parando.
Por isso, se Menem conseguir chegar ao final do novo mandato, em 1999, com a popularidade de agora, a piada do mausoléu estará plenamente justificada.

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Sobre Menem à pág. 22.

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