São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Prisão de Salinas não mudará o México

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre os comentários mais ouvidos no México desde o início da nova crise destacam-se três:
1) O governo do presidente Ernesto Zedillo abriu muitas frentes;
2) A consequência de cada ato governamental -por mais correto que seja- dura cada vez menos;
3) As margens de manobra do regime diminuíram de maneira alarmante.
O fim lógico desses três processos era um beco sem saída. O momento em que as frentes, os rendimentos decrescentes e as pequenas margens formam situação de onde não parece haver saída, ou que só admite soluções mais caras que os problemas que querem resolver. Estamos talvez na véspera dessa conjuntura.
O governo de Zedillo enfrenta hoje inúmeros dilemas, de sua própria autoria ou não. Cada um exige decisões difíceis.
Na economia, que continua sendo fundamental, o problema do câmbio torna-se urgente.
Quando o diretor do Banco do México diz que, enquanto contar com US$ 20 bilhões de reservas -equivalentes a três meses de importações-, pode estabilizar a paridade peso-dólar, deve ter razão.
Mas sua afirmação passa por cima de uma alternativa essencial. Além da atual urgência, o México deseja estabilizar o câmbio como estratégia a longo prazo?
Escolher entre um câmbio competitivo e uma paridade fixa implica tomar decisões de grande envergadura.
Ao ritmo em que caminha a economia mexicana, dentro de poucos meses, ela terá ``comido" a margem de competitividade dada pela desvalorização da moeda em dezembro e janeiro.
Nos Estados de Tabasco e de Yucatán, acontece mais ou menos o mesmo. Sustentar governadores do PRI (Partido Revolucionário Institucional), eleitos sob circunstâncias questionadas pela oposição, gera sérias complicações com esta última, tanto de centro-esquerda como de centro-direita, e também com a imprensa.
Existem ótimos motivos para sacrificar os governadores impugnados e salvar alianças passadas (com o Partido de Ação Nacional) ou futuras (com a fração disposta ao diálogo do Partido de Revolução Democrática).
Mas o PRI não verá com bons olhos a volta aos acertos duvidosos e não se sabe como se livrar dos governadores de Yucatán e de Tabasco sem que o fato pareça o que é: uma concessão presidencial aos opositores, qualquer que tenha sido a fraude eleitoral.
Não há para onde ir, uma vez que o governo ficou entre esses dois fogos: a aversão do PRI a continuar perdendo eleições e a necessidade do PAN e do PRD de mostrar a seus respectivos críticos que podem conseguir vitórias.
A margem de manobra novamente se estreita: só com a mudança da direção e da essência do ``partidaço" seria possível convencer membros do PAN e do PRD a aceitar tacitamente "passar uma borracha no passado.
Mas não há candidatos à liderança do PRI que agradem à oposição e à opinião pública e que proporcionem obediência.
E a margem tornou-se minúscula no tocante aos crimes e castigos de 1994: os assassinatos de Luis Donaldo Colosio e de José Francisco Ruiz Massieu.
Cada vez parece mais improvável que todas as acusações da Procuradoria Geral da República sejam corretas e que o ex-presidente Carlos Salinas de Gortari tenha permanecido à margem delas.
Para que Salinas fique livre da culpa, muitas versões atualmente em voga devem ser falsas. Se tais versões dos traidores no caso Colosio -inveja intelectual de Raúl Salinas de Gortari (irmão do ex-presidente) e acobertamento por Mario Ruiz Massieu (irmão da vítima) no caso do secretário-geral do PRI- são corretas, é difícil crer na inocência do ex-presidente.
O governo de Zedillo deixou pouca margem para especulação. Se Mario Ruiz Massieu obstruiu a investigação do assassinato de seu irmão, deve tê-lo feito por ordens de alguém. Só recebia instruções do presidente da República.
Assim, considera-se iminente a inculpação e até a prisão de Salinas. Ou Salinas cai, ou Salinas cai. Só que a lógica da política sucessória mexicana e do processo judicial da Procuradoria não é a mesma que a dos mercados internacionais ou da razão de Estado.
Carlos Salinas ainda é um símbolo para os mercados: de modernidade, de audácia, de política pró-americana.
Ninguém em Wall Street vai morrer pelo ex-mandatário. Mas daí a permanecer indiferentes diante de sua possível detenção, ou diante das revelações que poderiam surgir de um julgamento de Salinas, há um abismo.
Não será fácil para o país voltar ao mercado de capitais depois de ter detido o ídolo dos corretores e dos co-responsáveis.
Tampouco parecerá sensato governar o México com a Presidência da República em queda livre e sujeita às lutas políticas, aos delitos de quem havia ocupado.
O sistema politico mexicano funcionava com uma espécie de anistia tácita para os ex-presidentes diante de seus atos reprováveis.
A pior das imprudências -embora a mais aplaudida e justa- consistiria em mandar Carlos Salinas de Gortari à prisão, sem empreender ao mesmo tempo uma transformação do sistema político.
Ninguém sabe se tudo isso é possível; todos sabemos que, a conta-gotas, nada é durável. A satisfação de ver que há justiça no mundo e que os maus acabam mal, os que sempre foram adversários de Salinas devem opor o frio cálculo dos perigos que acarreta um colapso institucional no México.
O importante é liquidar o mecanismo que criou a estirpe salinista. Prefiro a liberdade de Salinas com a mudança do sistema, à sobrevivência dele livre de seu castigo.

Tradução Lise Aron

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